OS HOMENS E SEUS MEDOS

Tudo se torna escuro quando a noite chega

e só mesmo o sol tem o poder de espantá-la,

de tangê-la para o outro lado do mundo.

A lua tenta, e mesmo quando cheia,

sua luz suave só consegue tingir a noite

com matizes prateados

(especialmente as noites dos poetas),

mas as noites permanecem noites

quando é lua cheia...

A noite é necessária e útil

embora traga consigo

as bruxas,

os fantasmas,

os ladrões

e desperte o medo latente

que habita o peito dos homens...

A noite é para o sono,

para o repouso dos corpos

e não para os medos.

Tememos o escuro

por não sabermos o que o escuro esconde.

Mas a noite é propícia para os medos,

pois é temendo acordar tarde

que muitos se recolhem tão cedo

pois o patrão despede os que chegam atrasados.

Por medo de morrer virgem

é que mulheres se entregam nas noites

a homens que lhes penetram as vaginas

cheios de medo de passar pela vida

sem deixar descendentes,

ou de não serem considerados machos...

Por medo de passar fome

muitos pulam quintais à noite

e roubam magras galinhas

de pobres que as criavam

temendo passar fome...

Na rua corre um ladrão

como medo do policial,

que com medo de ser assassinado,

patrulha as desertas ruas da cidade.

A noite é propícia para os medos.

Até mesmo a própria noite

passa devagar

porque, conhecendo o poder do sol,

tem medo desse inevitável encontro

que cotidianamente a aniquila...

Mas o sol não teme a noite

pois, impossibilitado de enfrentá-la diretamente,

por motivos físicos,

projeta-se sobre ela através da lua

suavizando-lhe a escuridão.

Por trás da noite,

além do fundo escuro das noites mais escuras,

milhões de sois espreitam a terra...

Só mesmo o sol reduz os medos

que são mais comuns do que supomos.

O homem tem medo da morte, isso é fato.

Muitos por medo

passam impensáveis privações

quando deveriam lutar por casa,

comida e bebida,

lutar pela vida.

Os regimes de exceção temem as idéias.

As mulheres grávidas temem os lobisomem

que podem rasgar-lhes os ventres

em busca dos seus filhotes

ainda não maturados...

Somos uma geração que sobrevive

em constante contrabalançar os nossos múltiplos medos

no escuro dessa noite que parece não findar nunca.

Assim, precisamos de sóis que dissipem nossos temores

e que nos tragam brilhantes auroras.

O medo é fruto do desconhecimento.

Quando começarmos a perceber

que os minúsculos pontos luminosos

que mal vislumbramos no escuro das noites são sóis

teremos iniciado nosso processo de libertação.

Daí em diante é só lutar para completá-lo.

Enquanto isso não ocorre

continuaremos a conviver com os nossos temores,

mergulhados na escuridão das noites

e sequiosos por luz ...

Belém - Pará, março de 1973