Às flores, água

Resolveram se casar. Comparam um par de alianças, puseram nos dedos e saíram por aí mostrando a uns e outros para que pudessem apreciar a quantidade de ouro e o valor do compromisso selado.

Ela tratou logo de fazer a lista dos convidados, quem deveria ser chamado por primeiros e os que ficariam na fila de espera.

Ele pensou nos padrinhos, queria que fossem amigos próximos, gente chegada, os que estavam na vida deles desde o início!

Ficaram de resolver, primeiro, ela, estava deslumbrada com a escolha do vestido, queria um de sete saias, uma calda e decote. O véu teria sete metros para varrer a igreja toda, e um vasto buquê de rosas vermelhas!

Para o noivo, um terno Preto araruna, camisa, lenço e gravata vermelhos, sapatos negros lustosos, um terço e um relógio dourado no punho esquerdo.

Ela era só contentamento, um largo sorriso na boca e olhos reluzentes, enquanto ele era só preocupação com os gastos e os cartões estourados.

Na hora de pensar o enxoval, a mãe dissera que seria sensato, por tradição, começar pela cozinha. Com os olhos esborrotados de ganância, organizou o chá de cozinha, fez a relação dos presentes, distribuiu com as amigas. Ele planejou a última pelada com os amigos, terminada em uma cervejada, na companhia das amigas não muito chegadas da noiva, e o planejamento corria, corria os dias e as noites.

Acertada a igreja, a festa, os convidados, o buffet, a lua de mel, a casa, os filhos...

Esqueceram de planejar o sentimento, o afeto, o coração. Não lembraram que o amor é uma semente que deve ser regada, aguada, sem sol em excesso, germinando e poldado quando necessário!

Não planejaram os dias juntos e os entraves do cotidiano, as individualidades e as responsabilidades conjuntas.

Esqueceram dos apertos de mãos diários, os abraços longínquos, dos beijos de chegada e de despedida, dos sussurros segregados vez por outra no pé da orelha, dos arrepios da pele e das palavras faladas por olhos...

A rotina tornou o riso escasso, o humor em coisa rara, as palavras sacrifios e os olhares repreensão. O toque das mãos eram ásperos, os abraços frios e As conversas discussões.

As decisões passaram a não ter mais consenso, as vontades foram tornando distantes e o afeto desgastando a liga.

Ela não tinha mais paciência, ele nem tentava mais acordo. Tudo ficou estranho, a aliança passou a ser um peso, o compromisso parecia uma algema e tudo foi desfeito.

O vestido ficou amarelando no camiseiro, o traje do noivo pendirado no mostruario.

Os presentes do chá de cozinha tiveram de ser divididos, por falta de acordou, acabou na quebra dos pratos e no tiro ao alvo com as facas.

Ela virou a cara, fez jura de nunca mais olhar na cara dele; já ele ficou meio triste, pensativo: e agora? Quem iria lavar as minhas cuecas?

Eca! Esse pensamento de macho dá fim em tudo, porque o sentimento não fora costurado para que houvesse medida entre os dois. Devolveram as alianças.

Ela passou a não mais crer no amor, Ele entregou-se ao jogo de cartas.

Ela até sentava na calçada, ele só ia pela rua de trás!

Rumores de outras vozes ainda pensaram em unir novamente aqueles dois corações, antes apaixonadas, mas ela se apaixonou pelo carteiro e ele já curtia com o carteiro sem que ela soubesse.

No dia em que ela criou coragem de fazer atalho ao carteiro, oferecendo lhe água, para maior desgosto, reconheceu a aliança, antes dela, no dedo dele.

Ela chorou alguns dias, ele subiu na garupa da bicicleta do carteiro e foi ser feliz por aí.