Abadia das sensações
Tenho passado os dias sob a sombra de uma angústia tranquila, estagnado como lápides a esperar sol e chuva. Caminho incerto e errante, olhando para os dois lados do mundo com os olhos cheio de vácuo. Um vago desassossego, que se não chega a desassossegar de todo, inquieta-me a alma com um lamurio de oração, um lamento resignado que escapa, de quando em quando, em longos suspiros de problemas sem solução.
Um amarelão febril que não é do dia, mas do delírio de minha alma, penetra nas coisas e deixa no ar um vago silêncio cheio de tédio. Toda a minha alma parece uma oração que veste o dia com paisagem de leito, silêncio místico de aroma indefinido. No ar, ecoando no espaços do mundo, cantam os passarinhos como cantam mães que choram de saudade de seus filhos. Um choro sem lágrimas escorre dos meus olhos petrificados no nada, não sei se sinto ou sou sentido, assim fico a olhar pra algum lugar nos confins de mim.
Visto a alma de luto branco, e derramo no dia, como se do céu derramasse, estes versos sacralizados na poesia crepuscular que eu sou-me. Uma alegria triste exprime na tarde uma melancolia serena, a cor do dia é de uma foto antiga, o sol brilha tingindo as árvores de amarelo-envelhecido; resta no ar, com perfume de nostalgia, uma paz serena para se morrer sem dor.
Assim passo os dias na abadia das minhas sensações, retirado e exilado do mundo, calmo e incerto, sonhando versos escritos nas páginas temporais de Kronos. A procissão do dia caminha com as horas que se arrastam com a morte, as nuvens passam como freiras de cabeça abaixadas, e o sol, iluminando a face da vida que morre em bulício, é triste como um dia de despedida, morno de uma paz que me transcende a alma...