Coração Serenante

Serena no meu coração uma renuncia singela, calma como o dia pela manhã, um cansaço resignado de monge; cai minguando uma tristeza alegre que enfeita-me como um manto de cristaiszinhos orvalhados de lágrimas que chovem dos meus olhos absortos, orvalhando sobre minha alma, como sobre as flores de manhã, pequenas bolinhas d'água espelhando a aurora de azul celeste forrando as plantas de sereno ouro branco.

Está tudo branco em meu coração, e minha vida neste instante não é senão uma paisagem de leito de árvores secas, porém vivas; sonhos congelados sob motinhos de neve, espectros da minha incapacidade natural de não saber sonhar com finalidade e torná-los reais. Se realizam deixam de ser meu para irem-se com o mundo, mas se permanecem em mim continuam a serem meus, apenas meus, partes inacabadas de um filme incompleto que sou eu.

Um rastro de morte bafeja desta renuncia tranquila, onde o dia fica forrado de uma paisagem de leito e paz para se morrer sem dor.

Ah, morte! Por que penso em ti? Fome cósmica...

Fome infinita de vísceras, de plantas, terras, montes e estrelas; de homens de cérebros grávidos do pensamento ainda na placenta da alma intelectual! Morte, morte/vida, que come seus filhos, reivindica suas crias, engole a Terra como um bicho vivo, e a Terra às árvores sob o campos, morrendo tudo resignadamente, lentamente se afundando em barro vermelho, como meu coração que dorme tranquilo sob o sereno de minhas lágrimas e sobre o chão de rosas e espinhos...

Cantam os pardais de peninhas arrepiadas entre pulinhos de galho em galho, a canção serena de prelúdio de inverno. Brotos de pitanga de lívido amarelinho desabrocham ao toque suave orvalhado da tristeza que dos meus olhos em brumas escapa como pontinhos de água colorida, vestida de orvalhos polícromos...

O dia é claro e frio. A vida verdeja nas plantas, consciente, e em todo canto sente-se a alma preenchida em silêncio de fundo, o qual me esqueço como num poço profundo, e sinto a mim como quem vê apenas um circulo de céu, distante...

Fiódor
Enviado por Fiódor em 21/08/2017
Reeditado em 02/05/2020
Código do texto: T6090485
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