Desabafo do Silêncio Rompido

Todos gabam-se d'alguma coisa. Confessam, discutem, proclamam e desmentem... Sempre há algo a se dizer do mundo. Quase como se a falta do dito desfizesse uma protorrealidade construída - a nossa.

Parece que é preciso dedicar-se a um rol exímio de irrelevâncias loquazes, para exigir parte significativa nos assuntos vitais. Faz-se de tudo: insistir em expressar incertezas, bazófias, papo furado; qualquer coisa. Se houvesse uma relação das distintas desculpas para se fazer interrompido e acrescentar algumas nódoas linguísticas, algum jargão de senso fútil, não haveria de poupar o barulho necessário à composição destes movimentos acéfalo-funcionais. Cada decibel pode servir uma infinidade de interesses e oferecer quantidades indefiníveis de regalias aos envolvidos - isto se apenas uma cláusula for cortejada; a qualidade do conteúdo deve ser secundária.

O infinitesimal perdido com a angústia de pensar, aprofundar e atingir os meandros da dubiedade está na esfera do silêncio e que é a nulidade de todas as coisas que não se materializam, que engessa os desejos do homem do mundo, que atrasa os planos, os prazos e o gozo. Silêncio este que diz sobre todos, mas não acusa nenhum; pois também não há tempo para fazer inimigos exceto quando estamos ocupados encenando a próxima peça enquanto nos fundos do palácio conta-se o fluxo do caixa e as futuras prendas das crianças. Ninguém quer parar o sonho vivo!

Uma entidade que determina inexistência de todas as nossas preciosas mentiras e é capaz devorar todas as fomes e negar todos os pedidos. O juiz sádico que não mede esforços para roer os edifícios, fissurar as pontes, romper com os contratos, minar os projetos e enfraquecer as vontades. Há dúvida maior que não agir? Há dúvida maior que não ser? O silêncio não oferece respostas. E se todo o mundo fosse uma grande fantasia, desmesurada, inútil e prosaica?

Imagino que se tudo fosse silêncio não haveria de existir esta algazarra toda, que é só fingimento. Fazer-se vivo, forjar a existência. Nada do que foi dito realmente importa. Talvez todos saibamos o que nos espera enquanto esperamos a tal hora surgir, e não parece que preencher a carne de holografias do desejo vá bastar. Por isso se faz ainda mais barulho a noite, quando ninguém se enxerga e não sabe se, de fato, existe.

Não sei se poderia ficar em silêncio, mas não consinto com nada que se faz aqui. Tanto barulho ensurdece! Já não se consegue ouvir mais nada, e o que se escuta é eco. O que faz desconfiar de todos os meus fantoches irmãos, será que estão vivos?

A galhofa não permitiu ouvir meu íntimo... Meu coração bate ou não bate?

#Ariscadian_Digest

Hernán I de Ariscadian
Enviado por Hernán I de Ariscadian em 20/08/2017
Reeditado em 21/08/2017
Código do texto: T6090071
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