Um blues para Otávio

Otávio tinha amigos ricos

e gostava de falar de coisas caras

porque

em seu emprego como escrivão da polícia

só tomava no cu

ou pelo menos era o que ele achava

talvez sua mulher pensasse o mesmo

quando

arrumou um amante

que ela achava que era grande coisa

até esse amante arrumar uma amante

Quando ela voltou

Otávio a aceitou sem fazer perguntas

ela não ficara mais larga nem nada

ele

fingiu que nada tinha acontecido

até fez um filho nela

depois dos dois primeiros meses

aquilo

começou a encher o saco

Otávio nunca ensinou merda nenhuma pro filho dele

seu pai também nunca lhe ensinara merda nenhuma

Otávio gostava mesmo era de encher o rabo de cachaça

e ficar contando vantagem

toda semana jogava baralho com os amigos fracassados

e com os ricos

jantava

uma vez por mês

para ele isso era ter encontrado o equilíbrio perfeito

sua mulher

o achando cada vez mais insuportável com

seu emprego de merda

sua falta de ambição

suas roupas puídas

seu bafo de cachaça

já grávida do segundo

acabou

o deixando

voltou para o antigo amante

que novamente a trocou por outra

ele gostava de mulheres magras

e ela

a cada dia que passava

se assemelhava mais a uma leitoa prenha

coisas da vida

e Otávio seguiu a sua

bebendo e indo chorar na casa da sogra no começo

depois saindo com novas mulheres

com quem nunca ficava por muito tempo

o problema nunca era ele

sou eu, elas diziam antes

de partir

ele acreditava

ou

não ligava

ou era

estúpido demais

para

entender

não dava para saber se ele simplesmente se

contentava com qualquer coisa

ou se evitava meter uma bala na cabeça

de qualquer maneira

todo mundo gostava dele

ele era o tipo de cara que não te desafiava de maneira alguma

nada nele era uma ameaça

os anos se passaram

os filhos por aí

Otávio finalmente pegou o dinheiro da aposentadoria

desistiu de se tornar um grande cantor

resolveu que ia começar uma nova vida

entrou no financiamento de um imóvel

e de um automóvel

tatuou um dragão no braço

que ficou nada a ver

perdeu uma bela quantia na bolsa de valores

começou a escrever um livro

depois outro

e outro

e terminou deixando os três inacabados

bebeu por 3 meses e viu sangue em sua merda

daí sossegou o rabo

os amigos ricos tinham ficado mais ricos e ele perdera o contato

ou estavam mortos

os pobres também estavam morrendo

e ninguém mais queria saber de jogar baralho

parecia que todo mundo tinha feito alguma coisa da vida

menos ele

parecia que uma grande festa estava sendo dada

a qual ele não fora convidado

mas agora também já era tarde

e era só isso que era daqui pra frente

a pança

os cigarros

as parcelas do apartamento

e do carro

podia ser pior

ele dizia

*

Otávio morreu há uma semana atrás

ele era um cara legal

bom de copo

bom de papo

nunca fez mal a ninguém

de caso pensado

o que não se pode dizer da maioria

...exceto uma única vez

ele me contou que encontrou com o antigo amante de sua mulher

um beco escuro

na noite errada

encheu o cu dele de bala

jogou seu corpo no porta malas e

o dispensou

lá na Serra da Cantareira

nunca ficaram sabendo de nada

não sei se foi conversa fiada

de qualquer maneira

achei algo digno

de ser registrado

Otávio foi meu amigo durante muito tempo

e agora ele

se foi

Gilberto Sakurai “O Maldito Escritor” – 12/05/2017

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Gilberto Sakurai
Enviado por Gilberto Sakurai em 19/08/2017
Reeditado em 19/08/2017
Código do texto: T6088376
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