PAI
PAI???//Se eu pudesse, claro, tivesse eu o poder hoje voltaria no tempo e me faria sentar - um menina de 11 anos, ao lado de meu pai no barranco lá na chácara do Augusto, amigo que sempre o convidava a ir apanhar laranjas no pomar onde o que se plantava, frutificava... Nesse lugar bucólico, alimentada pelo amor da família eu ouvia as suas histórias que ele, entre o colher e o descascar uma laranja e outra, me relatava sobre sua vida na Capital. E eu o ouvia encantada, e viajava com suas experiências. Meu herói!
As mãos calejadas pelo trabalho, limpava nas pernas das calças de brim cáqui o canivete que tirava do bolso para, caprichosa e lentamente cortar a casca da laranja modelando-a como óculos e a depositava em meu rosto num gesto de proteção e carinho. Essas nossas aventuras eram embaladas pelo cantar dos pássaros, alguns raros que Seu Augusto tão orgulhosamente cuidava. A terra era fértil e assim era a minha imaginação. Do alto do pequeno barranco, meu olhar alcançava a estrada, saída para a cidade grande, horas distante dali.
E lá ficávamos por horas, meu pai e eu, dois sonhadores sentindo a natureza pura e desfrutando do amor familiar. Vivíamos o momento; para mim, não havia preocupação com o futuro porque mesmo modesta a família se mantinha e na minha concepção de menina o tempo era estático. Apenas os dias se seguiam, eu não tinha o alcance de pensar que um dia cresceria (era tão bom ser criança...), iria me casar, ter filhos, trabalhar e sofrer – mero detalhe.
Ao final de nossa aventura, após encher meio saco com laranjas-lima e a outra metade com laranjas- cravo (hoje raras) voltávamos alegres a casa e já sentíamos o cheirinho agradável do jantar que minha mãe cedo começava a preparar. Ela preferia o almoço cedo do que a janta tarde.(((risos))) Nossa vida prosseguia. Éramos felizes, vivíamos do fruto do trabalho de meus pais... E eu dos sonhos que ele tão bem me ensinava a cultivar, como as laranjas do pomar de Seu Augusto.
Não tenho mais sua presença física, porém pequenos grandes momentos como esses já passados me fazem sentir os olhos molhados e a alma reconfortada pela base familiar que independe de situação financeira ou cultural, mas de fatores muito mais importantes: segurança, afeto, retidão, amor, amor, amor...
Cida Micossi, Santos, ESCRITO EM 08/08/2010