Brutus

Ela o conheceu por aí, em território que ambos freqüentavam. Passava por lá algumas vezes sem muito interesse e nem gostava mais das pessoas dali, apenas passava para manter dentro de si uma certa lembrança, até que esbarrou com algo dele. E o algo mexeu com ela. O destino sempre se omite quando as decisões precisam partir do ser. Dessa vez não foi diferente. Ela o chamou. Ele veio. Trocaram palavras educadas e tudo ficou assim.

Mas dentro dela, talvez a lembrança de um passado, começou a incomodar. Sentiu o frisson, o velho lampejo da paixão por aquele homem comedido mas que ela sabia, no íntimo, seria ele o que viera para repicar os tambores e acender, dentro de si, o fogo. Não a paixão enganadora, mistificada por mentiras de rimas ou versos, nem a paixão supérflua comumente usada para fins específicos, mas a paixão carne, a paixão de um homem que não se escondia. Sentiu as chamas dos velhos ciganos em volta dela. Sentiu o cheiro da madeira queimando nas fogueiras dos desertos. Ouviu os violinos. Viu-se com seu vestido vermelho com babados negros, sentiu seus pés nus sobre as areias e em suas mãos as antigas e inesquecíveis castanholas. Era ele. Seu cigano resgatado do tempo.

De algum modo tentou fugir dele, farejava o perigo como um predador. Quis desviar o rumo, mas foi impelida pela mão do destino. Ela o aceitou e abriu suas portas. Brincaram, falaram de amigos comuns e, sem mais, ele mostrou-se. Absoluto.

O turbilhão dentro dela se fez real. A vida voltou em outro espaço, em outra dimensão. Ele, o perfeito.

Não a beleza tradicional cantada por muitos, mas a beleza que, para ela, é. Um homem vindo direto de suas entranhas, com o rosto que ela queria, o perfil másculo, a barba por fazer, olheiras de quem dorme muito pouco, um pescoço forte, braços grandes, mãos pesadas, dedos grossos, um queixo de quem tem caráter. A boca. A boca.

Ele não percebeu o impacto que teve sobre ela, mesmo ela tendo dito a ele. Abriu-se e disse sobre o encanto de vê-lo. Sobre a altura das ondas dentro dela. Mas ele não podia ter noção do que ela sentia ... Ele era o homem. E ela soube.

Sentiu dentro de si todo um passado voltando, lembrou-se do êxtase há muito esquecido. Lembrou-se de si mesma.

Sabia que com esse homem corria perigo. Que ele tinha mulheres muitas, emoções todas, que era um matador mas, ou talvez por isso mesmo, ela o queria.

Sentiu-se molhar de desejo, ansiou pelo peso dele em seu corpo, quis o seu cheiro, sentir sua pegada, sua força. Hoje, agora, dentro dela a paixão acenava de novo. Vida nova. Essências de humanidade rompendo o lacre imposto pelo tempo.

Ciganos são viajores e não contam o calendário, vivem os espaços...

Sorriu feliz. Haverá de chorar muito, mas isso será mais tarde. Irá sofrer por ele, ela sabe, mas antes irá sentir o prazer de viver o intenso novamente; um nome a ser escrito na pedra.