Teatro de minhas sensações
Tenho vivido numa espécie de sonho lúcido: a todo tempo julgo o que vejo e sinto por trás de um hábito de sensação que não compreendo, onde a realidade aos poucos vai se misturando com a imaginação e a sensação, e minha razão embaralhada, no que é certo ou não, bem ou mal, já não sabe o que é mais nada, está afogada num sonho de desolação de pensamentos, como uma mãe que só dá luz a filhos já minguados e fadados a morte.
Por trás do teatro das sensações escuto o avião sem espanto, o bulício auroreado pela segurança social faz sono e é bom, há som de carros e motos misturados com vozes que para mim não saem de gargantas, mas nascem no borrão da minha alma como interpretes da minha fala interna. Sinto tudo que ouço e vejo como uma extensão de minha alma, bem o sei que não sou nada disso, mas nunca saio de minhas próprias sensações, e nunca vejo senão eu e o cotidiano sossegado e dormido nos mesmos hábitos do que sinto e penso dele.
Queria ter o espanto com a vida assim como teria uma pessoa ao ver-se em outro mundo, outro planeta habitado por diferentes formas de vidas, e não me acostumar àquele espanto de incerteza e maravilhamento, e não habituar-me aos nomes e conhecimentos daquele lugar, e manter àquela percepção do novo na alma, incerta e encantada por tudo que não conhece...
Mas, no fim, cai o cotidiano sonolento na volúpia do estalar de aço em algum lugar nos espaços do céu, dorme o dia e já sopra a noite na antena lá fora uivando um pensando que preciso tirá-la de lá, e o que escrevo é para tornar a monotonia de mim mesmo menos óbvia, pois as letras mentem a realidade do que sinto, e assim, sinto o que não sou, para não estagnar de tanto óbvio.
E tudo é o mesmo...
O mundo e eu...
Para não habituar-me a mim mesmo, ao cotidiano das minhas sensações que a vida finge por natureza, faço da alma da noite externa um manto menos óbvio e escrevo sobre o não poder espantar-me com o barulho de makita no vizinho, que cortou-me de minha reflexão inútil e deu-me um instante de privação de sono...
Passou...
Fica um silêncio gostoso no ar misturado ao som de passos que me passeiam a alma esparramada como um tapete sobre a realidade externa, vão indo ao sumir de uma rua que imagino, caminham desconhecidos como partes de mim mesmo.
...caminham pela vida, ou diria, por mim mesmo?