Silêncio do entardecer
Silêncio tardio, quase não se ouve as vozes da vida lá fora. Vai serenando no ar parado deste dia sonolento qualquer coisa de mistério, embalsa-me num vácuo o passar sem sentir das horas, que dissolve todos os meus pensamentos quando estes sobem como bolhas à consciência de mim.
Fico como água parada de um lago esquecido, vez ou outra subindo à superfície algum pensamento que logo se estagna na calmaria do dia silenciado. Fico com a impressão de que não existo, de que nunca existi. Serena na minha alma um sossego de mar tranquilo, tropicalesco, ar de chuva, e sem quem eu queira tenho consciência da vida que em mim respira.
Estou alheio ao mundo, vejo-me de fora respirando, o peito contraindo, em silêncio, mas não sou eu, acontece-me de dentro. Ó, quão leve é estar sem mim! Eu definitivamente não sinto. Vejo-me e sou eu sem ser, vazio sem mim, um cheio do qual estou fora olhando-me.
E o silêncio vai orvalhando a tarde que se vai indo, sinto me ir junto, vou com a vida, sou vida, enquanto escrevo estas anotações do meu epifânico instante...