No palco do tempo, teatro de Deus
Há um pensamento que povoa minha alma como um sussurro do vento no vão de alguma coisa, a qual sempre aparentamos por superstição qualquer coisa de outro que não o uivar do vento apenas. Não chega a incomodar de todo, mas como no uivo do vento, ilude-me quando passa por mim como alma, sussurrante, me ansiando de preocupações com o que há de ser das coisas.
O que há de ser das coisas...
Nada, oras!
Deixai que as coisas se coisem sozinhas!
Que será daqueles que já não-são e de todos os seus sonhos que se dissolveram quando a alma, antes de vossos corpos, padeceu? Não era isso que sonhavam, tinham outras certezas, segurança, sonhos que lhe serviam de paliativo para suportar o que hoje já não podem - como nós - pois sentiam mais angústia na soma de cadáveres embalsamados em lágrimas que a morte arrancava de seus olhos incrédulos.
"Logo é sua vez!"- o lembrete é o corpo, fato bruto que mais nada serve senão pras larvas, que imaginamos comer a massa cerebral de quem com nós sonhou e festejou ilusões.
"Logo é sua vez" - e isto também é uma ilusão, uma ficção, pois só vamos para quem fica, o que vai não vai, sai de cena, volta para o que nunca foi; nem vivo nem morto, nem começo nem fim. O que já somos?!
Que há de ser de mim: um sonho que sonhamos; um ator, pedaço de Deus, que encerrou sua participação e deixou apenas o roteiro em nossa memória, onde, já não mais ele, continuamos a proceder como ele em nós e a chorar em angústia o que ele não viveu.
Ora, se ninguém morre, também ninguém vive!
Ah, sei que tudo é teatro no palco do tempo, encenação de Deus! Que por dentro de nossas células nos faz rir, nos faz chorar, como um perfume que se sente no ar e a boca sorri automaticamente; a impotência da sensibilidade guiada pelo complexo acontecimento de tudo interligando-se para além de nós mesmos; e nós, nós somos o que se nega para que o circo dramático não acabe - Deus odeia ponto final... Morte e vida como dualidade é uma realidade que só existe para nós, fora da ilusão que somos Deus está a mexer pauzinhos, linhas se emaranham, risos de Lila pelo cosmo; mas, fora de nós não há nada, e Deus é o vazio que as palavras não alcançam.
Inventamos uma trágica teodicéia e acreditamos nelas, os deuses viraram vísceras, Deus se esqueceu em nós e se ilude com a própria ilusão de que separou vida e morte dele próprio...