Hilda Hilst em Tu não te moves de ti
''Santíssimo, te falo deste modo porque a humana cabeça tão pequena não compreende loucura agigantada, me vem um outro pensar quando em ti penso, que nós os daqui imaginamos tua vontade se intrometendo no decorrer dos nossos dias mas que pensar assim é pensar longe da verdade, que passeias entre nós por acaso como nós mesmos passeamos num atalho e sem querer machucamos as formigas e muito distraídos muitas vezes arrancamos uma pequena planta ou plantamos outra, um fruto mastigamos e outro esquecido apodrece lá mesmo onde cresceu, junto ao seu ramo, destinos muito distanciados de nós mesmos no entanto tão ligados porque movemos braços e pernas, porque nos deu vontade de andar por ali e tocar e mexer e meter um fruto à boca, o mais próximo da nossa mão que está colada ao braço e que coitada não sabe do pensamento de frutos e de plantas, me vem esse pensar, que tu andas por aqui nuns enormes passeios, e o que tu pensas andando, num instante se corporifica e fica por ali no lugar onde a coisa pensaste, deves ter um punhado muito agitado de ideias na cabeça, por isso quem sabe Meu se fez presente lá perto do lago onde eu estava, Meu pode ter vindo quem sabe da tua cabeça mas nunca me sonhaste companheira de um resíduo da tua santidade, pois pode ser, tudo pode ser pois que não sei de nada, e assim pensando me vejo agora em frente à casa, olhos inchados, o colo vazio de flores e pitangas, triste mas mais aquietada, mais calma, como te demoraste diz Haiága, o dia se faz tarde e Meu?''
Tu não te moves de ti, Hilda Hilst, Matamoros ( da fantasia)