Prelúdio ao Luar
Sentia-me sonolenta... confusa. Com os sentimentos embaralhados, enrendados na névoa prata do luar que me banhava a face com gotas de orvalho transparentes e frias. As notas fortes do piano de Bach rasgavam o véu escuro da noite expondo a nudez despudorada de um céu cravejado com milhões de estrelas de lume divinal.
O vento da madrugada uivava forte nos meus ouvidos, causando-me uma mistura de êxtase e arrepio. Adentrava meus sentidos, acordando lembranças que, há muito, dormiam sob a lápide do esquecimento. Com elas, bombardeava, sem parcimônia, minhas emoções, deixando-as tão frágeis quanto a noite que escorria com violenta sutileza por entre os impiedosos dedos do tempo. Perante meu olhar anestesiado de beleza, a aurora começa a tecer o dia e uma infinitude de cores se espalha tímida pelo firmamento, revelando uma beleza ímpar.
De repente, o dia é todo luz... imensidão e cor. As notas do piano de Bach são sobrepujadas pelo canto do galo, pelo revoar dos pássaros, pelo estalar das folhas... e eu ainda ali deitada sob o edredom gelado com as notas de “prelúdio”, valsando insones nos meus sentidos já despertos. Sentia-me tão abençoada quanto pequena. Pequenina e só como uma estrela perdida na imensidão gris versada pelo bocejo da noite, pelo sorriso boêmio da lua. No entanto, sentia-me salpicada de paz como se o espetáculo que prenunciava o dia e a energia do sol que resvalava em mim fossem o próprio ópio que me acalmava a alma.