A prosa da febre e o beijo fugaz

Aos 55 febril e enrolado em um edredom eu retesava os nervos fazendo o corpo tremer.
Lembrei dos 5, também febril.
Mamãe vinha apressada com a mão gelada, geralmente molhada.
Encostava suavemente o dorso em minha testa e exclamava:
- O menino está queimando, meu Deus, 40 graus!
 
Era sempre 40 graus, nunca mais ou menos.
Eu, como um gongolo enrolado, espertamente me encolhia ainda mais.
De propósito batia o queixo e os dentes, e retesava os nervos até tremer.

Logo papai também vinha trazendo na mão esquerda a Bíblia Sagrada de capa marrom.
Vestia uma camisa azul desbotada e surrada, e sobre mim curvava-se cuidadosamente dizendo:
- O moleque Dião está doente!
 
Em seguida repousava a pesada mão sobre a minha testa febril iniciando, quase inaudível, uma oração:
- Oh! Senhor, meu Deus e meu Pai...
 
Enquanto ele orava apoiava o santo livro sobre o meu peito, fazendo-me sentir um confortável acolhimento.
Finalizava a prece recitando o Salmo 91, que reverentemente, de cor e baixinho eu repetia:
“Aquele que habita no esconderijo do altíssimo,
à sombra do Onipotente descansará ...”
 
Após a oração eu concluía com fé:
- Logo estarei bom, papai orou por mim!
Ficava curado.

Hoje, aos 55, também tremi de febre embaixo do edredom.
Instintivamente comprimi os nervos para fazer o corpo tremer e me aquecer, como acontecia quando criança.
 
Veio a Joh, companheira cuidadosa, anjo da guarda enviada por Deus.
Com a voz macia e carinhosa sussurrou no quarto escuro:
-  O meu amor está com febre. Vou trazer um Torcilax. Logo vai passar!
 
Retesei ainda mais os nervos puxando a coberta sobre a cabeça.
Em segredo agradeci a Deus pelo cuidado eterno.
Certamente a fidelidade de meus pais moveu as bondosas mãos divinas incumbindo o seu anjo para socorrer-me aos 55.

Logo ela retornou com um copo d'água e o prometido comprido.
Sentei-me na cama, ainda no escuro, e engoli o santo remédio.
 
Para fazer valer o esforço fingi sofrimento com sorriso sarcástico no canto esquerdo da boca.
Ela não reparou e, suavemente, encostou a face em meu rosto para constatar a febre.
Em silencio afastou-se flutuando para não me despertar completamente.
 
Voltei a me encolher embaixo da coberta.
A minha mente vagava indo e vindo, do passado para o presente, e vice-versa.
De um salto resolvi reagir.
Endireitei-me em pé.
Caminhei para sala e a encontrei sorridente e surpresa com a presença inesperada.

Com cara de sofrimento fingi ainda estar doentio.
Espertamente supliquei-lhe, com um movimento do rosto, um novo teste da febre.
Ela, inocentemente, mais uma vez encostou o seu rosto cheiroso em minha bochecha.
Aproveitei a ocasião para roubar-lhe um beijo fugaz.
 
Eu estava curado!