NATURALIDADE

Sim, sou de Belém

não por ter aqui nascido,

mas por aqui morar

e ter absorvido

o seu modo de pensar.

Sou de Belém

Por ter crescido aqui

e amar Belém.

Belém! Belém!

e quem, aqui chegando,

não gosta de sentir o beijo morno

dessa tua brisa “guajarina”

que sopra ao cair da tarde,

varrendo a Presidente Vargas

e preocupando as mulheres

que ousam usar saias largas...

Quem, aqui chegando,

não gosta do açaí,

esse teu leite escuro e viscoso

(embora hoje já um tanto ralo e raro)

com o qual alimentas os teus filhos

legítimos ou adotados, não importa,

ou, ainda, das mangas maduras e doces

que caem nas ruas

fazendo correr adultos e crianças

e assustando os transeuntes desprecavidos

que se abrigam sob as mangueiras

quando o vento anuncia a chuva...

Amo Belém, bem tratada ou maltratada

pelos seus governantes,

pois isso não depende dela...

Amo Belém da chuva tropical

que vem quase diariamente

banhar a cidade,

afastar o calor

e como que lavar a nossa alma.

Amo Belém, essa cabocla faceira

que se espalha displicentemente

ao sol do Equador

e se deixa banhar

pelas águas barrentas

do Guamá/Guajará...

Amo Belém das mangueiras antigas

com ervas de passarinho

que formam longos túneis,

agradáveis túneis que sombreiam

o inclemente sol do meio dia...

Amo Belém e esse seu ar quase ingênuo

de cabocla amazônida,

debutante meio sem jeito

no baile do desenvolvimento...

Amo Belém e esse seu gosto exótico de tucupi,

de cupuaçu, de ingá do mato,

de tucumã e de bacuri...

Amo Belém e esse seu cheiro de patichuli

e de catinga de mulata.

Amo Belém do Círio de Nazaré

de todos os sírios

e dos que aqui aportam

e que ela recebe indistintamente,

independente da nacionalidade.

Amo Belém, essa Belém do Ver-o-peso,

do Forte do Castelo,

dos velhos casarões e sobrados azulejados,

das ruas estreitas da Cidade Velha

onde o passado teima em se fazer presente.

Amo Belém que já se enfeita para o futuro

mas ainda traz consigo

alagados, palafitas e carapanãs...

Amo Belém assim, tal como é

embora a queira melhor.

Am Belém das andorinhas de verão

que tomam de assalto o cais do porto,

sujam as calçadas com seus excrementos

mas voam bonito quando o sol se põe

por sobre a Guajará.

Amo Belém das bancas nas suas esquinas

que vendem tacacá, maniçoba e vatapá.

Amo Belém do peixe fresco

vendido nos mercados

e frito nas feiras livres...

Amo Belém de majestosas praças

e monumentos imponentes,

embora mal cuidados.

Do Bar do Parque

que quase foi demolido,

não fosse a voz do povo levantada em seu favor,

da Condor e do Palácio dos Bares...

Amo Belém das crianças e dos adultos,

dos trabalhadores e dos malandros,

das virtuosas senhoras

e das prostitutas,

todos seres humanos...

Amo Belém antiga e moderna,

das centenárias igrejas,

da Basílica de Nazaré,

do Teatro da Paz,

do Palacete Bolonha,

do Palacete Pinho

e dos novos edifícios pós-BNH...

Amo Belém,

essa Belém dos paraenses,

essa Belém dos belenenses

e da Fafá

que também é de Belém...

Amo Belém,

essa Belém de todas as mulheres,

feias ou bonitas,

brancas ou morenas,

morenas cor natural,

morenas cor Atalaia,

morenas cor Farol,

cor Murubira

ou outros tons Mosqueiro,

todos eles muito bonitos

Amo Belém,

Belém de fevereiro, do samba nas ruas...

Belém de junho, do São João

com samambaias, matos cheirosos,

mingau de milho,

cachaça de Abaeté

e festas de terreiro...

Amo Belém de outubro

brincando no arraial de Nazaré...

Amo Belém de dezembro

com seu espírito de Natal,

embora hoje muito mais comercial...

Amo Belém do ano inteiro.

Amo Belém das procissões,

dos terreiros de umbanda,

das ladainhas e dos despachos,

das lendas e dos mitos...

Amo Belém,

essa Belém plural

de singulares encantos.

Essa Belém mosaico marajoara

ímpar e único

que o tempo não descora

mas a decora cada vez mais...

Amo Belém

essa rainha das águas

que, quando vista do alto,

parece flutuar no encontro dos seus rios

que formam a Baía do Guajará.

Amo Belém por tudo isso

e, ainda mais,

por toda a poesia que flui

desse seu ar de donzela ribeirinha

grávida de progresso

(esse espécie de boto deste fim de século)

e ávida de ser Belém em plenitude

aos olhos de todos...

Amo Belém

em sua complexa simplicidade

de cidade simples

e com “aquele” amor sem medida

e sem ciúmes

com o qual se deve amar uma cidade

que mesmo sendo de todos

continua sendo nossa,

só nossa,

exclusivamente nossa...

É por tudo isso,

e por muito mais,

amo Belém com naturalidade.