Cacos de mim

Pesa-me hoje a realidade como um cancro na consciência, meus olhos lânguidos deslizam no ar como o faro de um cão faminto. Abatido, curvo-me diante do meu cansaço, do que é, do que sou, prostrado pela vida como se com ela me batessem.

Há um abatimento físico e mental, um esgotamento que semeia na sensação seca do dia uma insegurança infundada, um tédio que congela os minutos, onde cada instante é uma fatalidade que me esmaga de tão nula e sem sentido que vão as horas velejando no veleiro temporal.

Estou esgotado e vencido. Rendido em pleno mar, sendo levado pela maré do acaso lançado pelos dados que joga a vida comigo. Tateio nas sensações coisa nenhuma, apenas um peso que se sente no corpo, um formigar aqui e ali, e um querer desmoronar sem força pra cair; os olhos perdidos no ar a procura de sabe-la o quê, absortos em nada, como se tivesse em busca de algo que esqueci o que é.

Minha vida toda não foi mais que um tatear as escuras, como quem distraidamente procura alguma coisa que perdeu.

Ó, agonia! Mas eu nunca perdi nada. Pelo contrário, eu ganhei-me. Foi me dado o ser-eu, não sei se sou assim ou se tenho escolha de não ser.

Furtei-me ao acaso para escrever e não morrer de tanto viver. Que não me privem o poder escrever-me!. É o que pode minhas forças nesta fase escura da alma.

De tanto sentir acabei por sentir distraidamente, penso sem conclusão, todo eu-sou um pensamento quebrado em mil cacos pelo chão; sempre longe de mim mesmo procurando pelo céu sentir sua imensidão.

Hoje nada sinto senão um eco azulado de nuvens que se arrastam numa sonolência que faz sono na alma morta de não-saber.

Viver é não-ser, ou... ? Dúvidas, um lupe eterno do pensar!

Tudo se estagna numa desolação onde o suicídio me sorri, e por fim me nega, pois nem força tenho para abdicar de mim. Então consolo-me nestas letras que nada dizem além de confusão, vencido de que sou o que sou e minha cina é ser-eu, é o sentir tudo distante como ecos propagando-se no meu silêncio interior.

Só queria um tempo de mim...

E dorminhar a vida sem preocupação como dormem os pássaros sem medo em noites de quaresma...

Fiódor
Enviado por Fiódor em 20/07/2017
Código do texto: T6059962
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