Como é o barulho do tempo?

os ciclos são ritualísticos porque precisam de passagem, abertura, iniciação. e são simbólicos porque na crueldade da vida nada precisa terminar pra começar de novo. a faca-afiada vai bem fundo atrás do joelho e sangra e vai mais fundo, garantindo a dor. primeiro um depois o outro. assim se sente e conclui que está acabado, não há para onde ir e não há como ir. as pernas foram destroçadas. assim se vê e conclui a impossibilidade, a dor que dói mais pela vontade de andar que pelo instinto de ter a ferida estancada. a vontade imóvel de romper os próprios nervos na tentativa de dar passos, passos coléricos, passos afrontosos. o delito do corpo, o corpo tela e palco que se contorce sem direção, inútil e doente, é perverso porque já não há mais razão em sentir demais vontade, espernear, chorar, maldizer aos ventos. mas há o ímpeto duro e violento de se levantar e ir ter com quem profetizou que nada está à vontade. tudo é beira-mar, onda feroz que a boca do céu assopra sem calcular bem. tudo está à toa e os controles remotos perdem o sentido. o acaso é nômade, erê e ri desembestado levantando saias, mesas, planos, papéis e destinos. anotei no bloco de notas: não fazer promessas, não acreditar demais que cartas de baralho sobrepostas são castelos místicos.

Taíse Dourado
Enviado por Taíse Dourado em 12/07/2017
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