Para Nunca Mais Voltar
Eu nasci por detrás dos teus olhos malcontentes, naquela manhã onde a lua nascia e o sol se punha a dormir. De repente um uivo, e lá estava eu, rompendo a placenta naquele amanhecer noturno de meu deus (na verdade eu não acredito em deus!). Eu sou uma derivação simples, uma provável conjugação do verbo "teodiar", e assim, "teodeio" vida. O dito sistêmico que está na boca do aglomerado é verdadeiro: nascer aqui é morrer noutro lugar, e eu, imagino, estava melhor do outro lado, pois nada pode ser pior que esta desventura.
Os rios nem começam a orçar as minhas lágrimas ante a sofridão que me abate dia a dia, sou um desgarrado do regozijo, e não integro a multidão convertida que ouve seu sacerdote mentir: "amanhã será melhor, temos um salvador". Não há salvação para quem não se considera perdido. Eu sou o que sou, mesmo não sendo. Eu estou onde estou, mesmo não estando. Eu vou pra onde vou, mesmo sem ir, nenhuma divindade terá piedade de mim; eu não careço de piedade, mas de exatidão.
Há correntes tão livres que podem nos tornar cativos de nossa própria liberdade. Há amores tão verdadeiros que podem nos enganar mesmo expondo toda a verdade. Há tréguas tão pacificas que podem nos violentar a vida. Há medos tão pequenos que a sombra de seu gigantismo nos ponhe a correr. Há mentiras tão verdadeiras que nos provocam lágrimas. Tudo é (des) ilusão. Estamos perdidos, aprisionados, enclausurados no nosso (sub) mundo, cada qual em sua (des) realidade, e estou cansado, de modo que já me ponho a caminho. Hoje o meu verbo é partir, conjugado em quatro pessoas inúteis: Eu parto, Tu partes, Ele e Ela parte, Nós partimos, para nunca mais voltar.