Interstício doloroso
As vezes, por influencia não sei de quê, talvez um som inaudível para o consciente, uma palavra, uma imagem não processada de todo, desce-me na alma um dia inteiro de angústia. De súbito, como quem leva um susto, deixo de ser claro e comum como o dia, e todo o oculto por baixo da paisagem iluminada de amarelo-açafrão irrompe nas minhas sensações desorientando-me os pensamentos em direção a um abismo vital.
Deixo de notar as flores, ouço sem ouvir a quem me fala, deixo de sentir o azul-celeste por trás dos algodão-sem-doce que lentamente movem-se no céu amargo de mim mesmo.
A incerteza penetra-me até as raizes do ego. Eu próprio me torno incerto como emaranhados de vielas esburacadas na favela das sensações. Cada pensamento traz consigo um embate, uma luta; os desejos, os sentimentos umidificados como brumas na noite interior da alma molhada de angústia.
Tenho sono quando a vida me traz a consciência turva da minha ignorância. Tenho sono na atenção. E em mim tudo é pesadelo. Ah, como queria dormir!
Sei que tudo isso é sonho, que o que sentimos é uma sombra de nossa realidade imaginada. E pesa-me o saber disso como um fardo na inteligência emocional.
É por isso que escrevo, sonhando acordado o pesadelo inútil de minhas ilusões sem causas...