Primeira infância

Nasci ontem. Estou carnívora e planta. Devorando moscas, moscando as horas. Nasci em grupo, mas fiquei bem atrás quando todo mundo correu. Não dava para acompanhar essas direções espirais de estrelas travessas.

Estou no nível da água, com olhos na espreita. Já nasci sem fôlego. Nada me impede de respirar de novo. Então, desço os degraus da primeira escada, da primeira manhã da minha vida. Sou desastrada. Caio. Desço. Caio. Desço. Desço. Caio. Desço. Desço. Desço. Desço. Caio. Paro. Cheguei no fim.

No céu, alguma espaçonave deixou fumaça. Pena não desvendar sua mensagem nonsense, como são todas as mensagens aos recém-nascidos. Talvez não fosse para mim, talvez fosse inteligível demais.

Impressionante quão aconchegante está o céu. Longe, infinitamente longe. Um lugar tão atrativo quanto a intimidade do útero.

Tranco o portão de casa, porque toda habitação deve permanecer trancada quando vazia. E o futuro está me esperando: trancado porque vazio.