atravesso...

atravesso o meio do ano como fosse o começo de tudo outra vez. bobagem, me distraí com um vespeiro, pense numa coisa bonita, vontade de pôr a mão. sentir o zunido, ouvir as picadas, o mel escorrendo pelos dedos, que mel? Ardência, coceira, coisa doída, as mãos todas do corpo que são os poros da fala. olha! vem cá! olha esse corpo todo de enxames e fogaréu e voos. meu corpo esse zunido no tempo, essesanguíneo vermelho por entre meus meios de ser, veios e reentrâncias por onde esses seres orbitam, essa alma elástico arco-íris magma. vem cá que eu vou te mostrar esse corpo cápsula, casulo universo, campana, campanula essa rosa cúrcuma. esse borrão, essa borrasca, uma bomba balão incendiando nos ares, vai cair em cima da tua casa, da minha telha, do barraco, se esparramar no terraço, do nosso sobrado e não vai sobrar nada, vem cá ver esse paiol de pólvora, vulcão, não tem medo não. O fogo no terreno, o fogo, queimando o seco e o molhado, acende a abóbora, que o tempo vira carruagem em chamas o corpo tá doendo. Dói tudo isso de corpulências.

minha filha, você precisa ter medo, que medo salva a gente das coisas, salva a gente da gente, o pai diz me olhando em silêncio. deu foi uma saudade do pai, daquela mãe/mão forte serrando o tempo, com o lápis na mão desenhando a vida. pai não tenho medo, tenho isso que dá no meu peito um coração no corpo todo bate em cheio toda em mim, eu vejo com a pupila dilatada. E vem cá, vem, olha só esse corpo se abrindo como uma terra se abre e devora os vivos na superfície. Aceito , aceito sim. Aceito que sou uma porção de impulso e destemor desaforado de vida. Aceito que sou livre, que isso nem me dá escolha de coisa alguma, é uma liberdade tal que me desespera a ponto de eu me sentir eu sozinha sem uma linha que me remende esses espasmos e nem mão que estanca a pipa. Meu deus, olha esse corpo epilético e fustigado de sol.

Alessandra Espínola
Enviado por Alessandra Espínola em 12/06/2017
Reeditado em 27/06/2017
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