ANDARILHO RISÍVEL
ANDARILHO RISÍVEL
Aquele era um riso nervoso. Cheio de esgares. Vazio de olhares. Ninguém o via. Nem o ouvia. Era por conta disso que ria.
De dia não tinha palavras porque sua voz, feito sombra, varria calçadas. Encostava muros. Escorria sarjetas.
Era certo que voava livre de vontades. Isento de nascimentos. Repleto de mortes.
Seu olhar vagava. Telha por telha em cima das casas. Aquelas casas que nada lhe diziam. Nunca tivera uma. Nem doce. Nem amarga. Apenas não tivera.
Andava porque a noite cheia de si o amedrontava. Então vinha de novo aquele riso. Pra apressar a madrugada. Sem se ocupar da lua. Quarto crescente. Quarto minguante. Cheia. Nova. Tanto fazia. Seu olhar azul marinho desaparecia num céu profundamente escuro.
Não havia presença que o fizesse pertencente. Andarilho risível. Sem lágrimas. De pálpebras secas e tristes. Caídas de dar dó.
Nos pés trazia uma fuga passante. Nas mãos, os punhos cerravam o sol. Cravavam unhas curvas nas esquinas do desencanto.
Eram cabelos desventados que lhe emolduravam o rosto hesitante.
Parecia que sua pele era feita de neblinas densas. Trapos tristes a cobriam. Ninguém o via. Mas eu o vi. E no silêncio daquele riso nervoso. Chorei.
Mírian Cerqueira Leite