Nada mais do que chuva
Chove uma torrente de lágrimas por sobre os telhados das casas, tão molhada como minha alma. Que escorro todo em sentimento e água pura e depois suja pelo barro que escorre pelos buracos...
Chora a vida chora em mim e para mim neste dia chuvoso.
Ó como sou egocêntrico!
Mas é isso que o sinto: Empresto as coisas do mundo meus sentimentos, e junto ao som da chuva vou escrevendo estas palavras úmidas...
Chove! E quanto mais chove mais triste e prazeroso eu fico...
Estala um trovão em algum canto o qual não vejo, sinto-me feliz pois estou protegido.
Protegido...
Ah a segurança social! O lar! A moradia quente...
e toda mordomia e segurança que conquistamos!
Como somos ingratos!
Era para estarmos nos matando...
Temos mais do que tudo, e ainda reclamamos...
Não que o "não ter um lar" como o meu ( que não é grande coisa nos moldes do mundo) seja um parâmetro de comparação paro o que seja uma "vida boa"... Não!...
Diógenes nos provou isso morando com o cães. Como um animal ( que era não que devemos ser). Era o que era. E que não necessitamos mais do que precisamos...
E o que sou?
Eu, incógnito, como um espírito perdido na literatura do mundo, como se fosse os olhos de todo um século ou simplesmente a ilusão de um esquizo...
Que sou senão nada mais que aquilo que não vê a verdade! A verdade que procuro. Eu mesmo! Quão estranho e misterioso para mim me tornei! Que temo, temo por mim mesmo como numa espécie de êxtase de quem assiste as últimas cenas de um filme que acaba incerto nas sensações - sem língua, sem pensamentos - que nos deixa vagando, sem saber se o que sabemos é o que é ou tem algo mais a saber. Como uma intuição de que algo ficou faltando; de que o filme ainda não acabou até que o compreendamos...
Temo!
Em saber que só há chuva em mim e no céu lá fora. E tudo é como é. Pau é pau e pedra é pedra. E nada muda na realidade senão as formas, mantendo-se estático o espírito. Que nada sou neste infinito de células senão uma espécie de membrana externa - uma ponte, um lápis, uns par de olhos - um poeta...
O que me fere é não saber se sou meu próprio egocentrismo de achar que sou o núcleo da célula, e que comando todos os outros subalternos, minhas vontades. Sendo que, na crueza da realidade, nada mais sou que aparência, externo, resquício, excremento - o portão do reinado; O meio de uma cadeia de acontecimentos que não dependem de mim. O intermédio e fim de um longo processo de vida. Sinto-me como a merda que apenas pode ver o anus se abrir, cair e nada mais...
Como estou cansado da arte! Deem-me a verdade!
Ah, como desmente isso minha realidade interna! Como escrevo isso numa espécie de sentimento de contribuição para a história inteira, provando a mim mesmo meu grande egocentrismo artístico de achar-me o pico, o ápice de toda história em nosso século...
Chove! Parece que nunca vai parar, assim como a vida. E eu continuo caindo nos telhados em gotas escuras e esquecidas, como se não fosse acabar nunca...
Chove! Chove! Chove!
Esfria-me a alma inteira por saber que não há mais do que chuva...