Um perdido achado em si mesmo

"Reclamei, espaço a pequeno espaço, o pântano em que me quedara nulo. Pari meu ser infinito, mas tirei-me a ferros de mim mesmo" __ Bernardo Soares, Heterônimo de Fernando Pessoa

Perdi-me de mim mesmo quando soube que já estava perdido neste mundo. Achei-me jogado numa lata de lixo, abandonado pelas crenças,

como uma criança assustada perdida dos seus pais.

Criei-me daí em diante como uma madrasta indiferente cria seu afilhado:

com certo asco, má vontade - nariz torcido!

Cresci na indiferença as secas do sertão, que matam sem qualquer problema as vidas que a própria vida cria. Assim fui mantando-me e renascendo.

Cresci sob a sombra ausente de mim mesmo. Guiado por lances de dados, cara-ou-coroa, tiros no escuro. Testes. Experimentações. Tive que tornar-me meu próprio professor e rei, súdito, bobo da côrte, esposa e esposo, pai e filho, mãe e eu. Tornei-me eu!

Ensinei-me a ousar, a questionar princípios, ser indiferente como as plantas e as árvores, a se comportar como um imoral no reino das minhas verdades e mentiras. Dos meus sentidos para dentro o Mundo de Alice é apenas a porta...

Tudo se confunde e se mistura, Estou só só só!! Como sempre fui, como sempre serei. Como a lua, como o sol e as estrelas, os montes e as campinas, os bosques e toda gente que passa ao som de passarinhos solitários. Ó, que solidão amargante! Que amargura! Que vazio congelante!

Ah, mas que monotonia prazerosa também!:Não saber quem se é, sentado ao pé do coração, sob a sombra de sua confusão, estagnado pelo abatimento físico da incerteza do dia que passa silenciosamente sem que eu o queira. Descansa coração, pois a verdade é incerta. O dia é o que sempre foi, e o hoje sempre será hoje.

Que não há nada que o seja...

Tudo é!

Ah, mas feliz de mim se o conseguisse repousar! Pois sinto que nada está em repouso, eternamente em vibração. Vibrando ideias embrulhadas em sensações que passam em imagens pela consciência que eu sou.

O dia passa e eu vou passando junto, escrevendo sem saber porquê, sob o silêncio dos meus nervos pulsantes, e dos meus dedos palpitantes por querer dizer...

Minhas bases se colapsaram, o chão me foi tirado. A verdade e mentira se tornaram o mesmo lado da moeda. Na mesma taça em que bebo uma eu bebo a outra. É o sentimento de alegria o critério para o que chamamos de "verdade", assim sinto em mim. Assim engano-me, talvez...

Criei-me uma mentira que se tornou consciente de mim mesmo? Mas que loucura!

Nem mesmo entendo a pergunta.

Será meu inconsciente falando? Para quê escrevo isto? Aaaaaaah, que cansaço de tudo!

Sou todo dúvida, confusão e vertigem. Tenho de fazer a passagem, ou ficarei a margem de mim mesmo contemplando eternamente a confusão em que me fiz. Assim ensinei-me: Tu és uma ponte!

E me vêm um medo que cresce com o passamento da vida, de que na morte fiquemos presos em nossos medos se não o soubermos superá-los, reconhecê-los...

Feliz eu fico, que isto seja apenas metafísica. Que nada sei. Pois temo só de ter medo nesta hora solitária, em que tudo ao nosso lado a morte levou, em que a vida se nos mostra toda a cara em toda a sua força sobre nós.

Minha alegria é não saber. Meu tormento é saber tudo - sobre mim... ?

Fiódor
Enviado por Fiódor em 01/06/2017
Reeditado em 01/06/2017
Código do texto: T6015518
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