Eu como multiplicidade orgânica
Cada dia sou uma multiplicidade cada vez maior, como uma célula que pudesse ir tomando consciência de suas partes e aos poucos relevando-se ansiosa e incrédula, a si mesma como membranas, filamentos, tecidos - desfragmento de desfragmento. Sou todo múltiplo, Eu's morando no corpo de mim mesmo. A casa é grande, vazia. E quanto mais Eu's vamos nela entrando, mais descobrimo-nos no espelho dos olhos uns dos outros. Cada hora cresce em minha incerteza e angustia de existir uma vontade ainda maior de viver. De engolir o mundo inteiro como Kronos. Como se morte e vida dançassem dentro do meu coração. É tão intenso viver, que não sei se amo a verdade ou a ilusão!
Estarei a ponto de não suportar?
Não pensem isso! não pensem isso! Não pense!
A Terra antiga de nossa crença caiu no fundo oco das sensações - não se pode querer voltar. Ou... Ó... temo temo temo! O arrependimento é a porta pra loucura. Eu estou Louco como ninguém, estou adoecendo, louco pela vida a ponto de exceder-me tudo e nada! Que vício! Que abstinência!
Dizem que o louco não sabe quando louco se está. Mas, o caso é outro: eu estou endoidecendo ao ver-me ir vivendo uma loucura que não depende da minha vontade. A loucura consciente que temo um dia virar do avesso e perder toda a noção das coisas, e tornar-me um vegetal.
Talvez na morte que se acha a vida, e na loucura que nos tornamos sãos...
Pois quando se sobe uma escada do pensamento e das sensações, mata-se o mundo que se acreditou, e deixa-o para trás, o coração se expande e largamos a escada que usamos para subir, e não voltar mais. Vemos de cima e mais longe. Queremos engolir o cosmo, ser ele não apenas em um plano de visão, mas com olhos aracnídeo-tridimensionais em todos os acontecimentos. Ser tudo e nada ao tempo sem tempo da mudança que no fim não muda nada. Pois vamos! Eu's! Vamos nós comigo e a solidão! Só podemos voar mais alto, infelizmente ou não,
a altura se torna obrigação da célula orgânica. Expansão! Vamos nós todos, Eus-meus multidimensionais!!
Ah...
A dor de tudo isso é doer tanto...
Que quanto mais dói, mais intenso e emocionante isso vai ficando. É como assistir a um filme em câmeras e efeitos de emoções e pensamentos, consciência que se vai rolando a fita do filme filmado por si mesma. Frio! Calafrio por todo o corpo...
Um medo calmo em perder-me em pensamentos e sensações e a razão vai crescendo, crescendo lentamente, parece vir de longe como um pressentimento. Ah! Que sensação de enfado cósmico! Que clima silencioso é este? Abaixem esse silêncio! Parem de falar ao mesmo tempo!
Ah, quanta coisa em mim mesmo! Quero dilacerar-me a carne e espalhar os pedaços pelos quatro cantos da Terra!
Mas, isso é vida o que vivo - essa vontade que tenho de viver?
Fragmentos e fragmentos? Castelos de cartas derrubados? Suicídio de sentimentos? Como posso chamar de vida se me sinto sempre o outro que nunca está! Que desalento mais estranho: ...amar tanto a angústia ao fazer dela minha vida. Como posso ter sentido em viver se é a própria angústia que me faz vivo e não quero sentir...?
Ó, deuses, dai-me menos a capacidade de sentir.
Há alguns foi dado a consciência-celular não é mesmo? Ó, com quem falo? Estou só com muitos Eu's. É só a solidão me passando a mão...
Assim eu me consolo com essa angústia, quem sabe...
Assim eu a abraço ao mesmo tempo não querendo. Ó, quanta contradição! Dói-me o peito, dói-me a cabeça, dói-me a alma em silêncio esquecida como uma cadeira velha de balanço. Afirmação ou negação?
E o coração silencioso assiste tudo sabendo que escrevo apenas para dizer que viver me dói...
Range a cadeira mas não tem ninguém...