O CORVO E O ESPANTALHO
Corvo:
Valha-me Deus, espantalho,
Que faz te parecer uma esfinge,
Neste mundo que é só movimento
Tu que nunca brotaste uma lágrima
Que não sabes fingir
E ainda manténs na cara, este sorriso estúpido
Com estes olhos petrificados de gelo
Para que serves tu,
Se sei que nem te mexes
Não tens graça,
Nem sabes usar as linguagens corporais!
Espantalho:
Todo sorriso é também uma forma de ironia, meu caro
Viver é uma grande ilusão, bem sabeis
Por séculos estive e estarei paralisado
Nestes campos agrestes, sem fim
Onde o sol e as trevas fazem todas as coisas iguais
Mas sempre desejando ter uma vida para viver
Eu deveria assustar os pássaros, mas nem quero
Eles têm sido minha única companhia
Mas oh! Eu gostaria mesmo é de fazer-lhe um pedido:
-Tu que és forte, que se move, leve-me contigo, para qualquer lugar
Para Odin, para as profundas infernais
Qualquer um dos mundos, menos este,
Não quero este mundo sem sons, sem movimento,
Viver sem ilusões, não, não quero mais!
Corvo - um pouco hesitante:
C..Como poderia leva-lo?
Quando você não está morto, nem vivo
Se você tivesse ao menos um coração
Tu viverias e morrerias
E quando morresse, eu viria te libertar
Desta imobilidade miserável
E saberias, então o que significam
As experiencias existenciais!
Espantalho:
Conte-me o que há por entre as nuvens
Fale-me do que significa ter liberdade,
Sei que há tesouros entre o céu e na terra
Que a vida é um laboratório de experiencias incríveis
O que mais poderei ver de diferente?
Conte-me, conte-me mais
Corvo:
Há muita coisa no mundo,
Mas a graça toda é que somos mortais
Nascemos e morremos
Há muita coisa.... difícil contar... há coisas demais
Por exemplo, as paixões nos movem
Mas como te explicar
Os complexos universos passionais?
Mas oh, me lembrei espantalho,
Que as nuvens me disseram
Que te viram chorando enquanto chovia
Intensamente, nestes imensos milharais
Deves, então, ter um coração...
Sem ter um, ninguém pode se romper em ais
Se você tiver um, então poderás sentir o mundo
E sentir o mundo deve ser tudo que desejais
Espantalho:
Meu coração? Ah...bem quisera.. ter um
Se tivesse, bem estaria morto de frio
Mas no seu peito, sei que há um vazio
No meu também há
Assim tu poderias compartilhar comigo o vosso
Em mim, creio, que ele viveria mais
Assim quando você o der a mim
Eu estarei calmo para que a vida aconteça
Nestes vastos milharais
Mas oh, já tarda, se você precisar partir,
Eu entenderei
Parta para onde quiser,
Parta, basta me dizer adeus
A vida sempre parte
Estou acostumado
Diga adeus, diga adeus e te vais!
Corvo:
Oh, se pudesse dar-te-ia meu coração
Minhas asas, minha vida, minha imaginação
Mas na vida, só os sonhos nos aproximam
Das coisas impossíveis, nada mais que isso,
Assim te direi adeus e quando o fizer
Certamente separaremos nossos caminhos
Talvez, para não nos vermos
Nunca mais!
Espantalho:
Nossos destinos serão sempre os mesmos
Estarmos imobilizados nos finais
Porque a vida é como um grande milharal
Creio que somos todos espantalhos
Não importa como vivemos
Terminaremos imóveis
Assim não me importo com a morte
Porque sei da vida dos seres
Sei dos seus destinos fatais!
O Espantalho :
- Nossa, acho que fui muito trágico! Desculpe! Mas como funciona este negócio da mortalidade? Porque morrem os vivos?
O Corvo:
Os vivos, são como os pés de milho, que alguém plantou
Eles vivem, crescem, produzem sementes
Depois desaparecem, tudo dentro de um ciclo
Depois dão lugar a outros pés de milho, nascidos de suas sementes
Ocupando a mesma paisagem
Estes também crescerão, produzirão
E desaparecerão no dado tempo
Assim seguem sucessivamente
Assim também somos nós, os mortais
Também nascemos porque alguém
Nos pôs no mundo
Tal qual, crescemos, vivemos, produzimos
Depois morremos e nossas sementes
Ocuparão nossos lugares e tal qual nós
Também crescerão, viverão e morrerão
Como tem sido a vida todos os tempos
O homem não é eterno, nada é eterno
Tudo vive dentro de um ciclo
Eterno são só os nossos sonhos
Apenas eles não morrem
Sobrevivem com a semente, que deixamos na terra
Assim o homem se eterniza
E a vida também no seu dorso
O resto é ilusão de sermos imortais como os Deuses
Que inventamos!
Narrador:
Nisso ouve-se um tiro!
Pááaaaa!
O corvo que estava na cabeça do espantalho
Tomba morto sobre os braços deste,
Ficando imóvel e juntos para sempre,
Conclui-se que o espantalho tinha razão
Sempre temos o mesmo destino
O mesmo destino incontrolável
E que a vida é esse vai e vem
Somos apenas atores, espantalhos
Marionetes controlados por fios
Nas mãos das poderosas hostes celestiais!