O papel amassado
Vejo-te escrevendo
Será que escreve para mim?
Os movimentos pausados
Pensamentos suaves
Simulam um poema
Será para mim?
Gesto reflexivo
Mão esquerda sobre a boca
Olhar distante
Será que me viu entrar?
O fluxo aumenta
A mão corre no papel
Faz um movimento de traço longo
Parece que faz um desenho
Será um coração?
Já está no meio da folha
De fato
É um poema
Provavelmente centralizado
Com versos curtos
Dobrou a folha
Rasgou uma parte
Fez um quadrado
Delineando as margens
Em uma forma perfeita
Voltou a escrever
Levantou-se
Apertou o pedaço de papel
com a mesma mão que o escreveu
Fez do quadrado
Um círculo
Que rodopiou nas bordas da lixeira
Será que era para mim?
Espero o silêncio da sala
Levanto-me
Pego o papel amassado
Sobre a mesa o estendo
E leio:
"Saudades de quando conversámos...
Mesmo longe
Sentia-te tão perto
Conversas
Sobre o que poderíamos ser
Desejos
que não passaram de vocábulos
Poemas
trocados como indiretas
Verdades
Ditas e não ditas
Sonhos
Reais ao cair da noite
Olhares
Trocados que resumem todo o poema
lembra daquele abraço incompleto?
Não gosto de deixar nada pela metade."
No canto superior direito,
Um coração flechado.
O traço reto, era a flecha.
No canto inferior esquerdo:
"Saudades do que falta."
Um poema...
Talvez fosse para mim.
A única certeza é que era um poema, tinha um coração apaixonado e não estava assinado, a não ser, pela "saudade do que falta."