TANGERINA
Acordei procurando o frescor em mim, nas coisas, na casa em toda parte. O telefone soou aquele som conhecido. Virei-me na cama como se fosse falar com você imediatamente. Fiquei tão surpresa quando percebi que sua ligação fora há quatro horas. O ícone do menino chorando estava lá, sua cara, sua marca. Fiquei na cama revirando de um lado para outro, pensando em você e curiosa com a capacidade da mente de dissimular. Por um motivo ou por outro, eu não acordei, mesmo querendo tanto acordar, eu não acordei. O cansaço foi mais forte e eu realmente precisava descansar. Ou precisava adiar aquela conversa, quem sabe. Autossabotagem. Autoproteção. Levantei querendo o frescor, procurando o cheiro do novo, daquilo que muda tudo, que torna tudo inédito e maravilhoso. Queria morar em Dubai. Simples assim. Peguei um perfume cítrico, da marca que adoro e joguei pelo ar. Enchi o quarto de um cheiro fresco e agradável. Respirei bem fundo e senti saudade do tempo em que a minha casa era cheirosa demais. Eu chegava do trabalho, abria a porta e sentia um cheiro fresco e perfumado, frutado, renovado. Entrava, fechava a porta e sentia-me em paz. Onde foi que se perdeu aquele cheiro. Onde foi parar aquele frescor. Decidi limpar tudo minuciosamente mesmo que isso custasse as minhas unhas bem feitas. Comecei separar e dobrar as roupas, antes mesmo de sair do quarto. O telefone soou, era você. Sentei-me na beirada da cama preparada para falar, argumentar, comandar a conversa como eu queria. Eu até comecei bem, pedi para você me ouvir, só me ouvir. Você consentiu. Mas, um único argumento seu pôs fim às minhas lamúrias. Você tem o dom de desfazer as minhas tempestades. Por fim, eu só queria dizer que te amava e ouvir você dizer o seu “eu mais”. Fizemos as pazes, assinamos um acordo de paz. Segui para a minha faxina, enquanto você seguia para o trabalho. Pulverizei tangerina pelo ar. Arrumei a sala, troquei o sofá de lugar. Organizei meus livros, os objetos, os adornos. Não estava em Dubai (ainda), mas estava feliz.