Cantar sem vergonha
Cantar sem vergonha
Adélia prado assim poetizou:
“Minha mãe cozinhava exatamente
arroz, feijão-roxinho,
molho de batatinhas.
Mas cantava.”
Minha mãe também cantava, ou melhor, ainda canta. As tarefas domésticas eram todas como ainda devem ser, regadas a canto. São na sua maioria músicas antigas, cantigas de roda, caipiras, religiosas, umas tristes outras alegres.
Mamãe canta musicas que aprendeu com a mãe dela e hoje canto essas musicas quando embalo minha pequena Helena. Cantar alivia a vida com seus pesos, preocupações, medos e cansaço. Mas música tem que encantar, tocar a alma, fazer feliz, agregar.
Muita música hoje só tem fonética, e muitas monossílabas. Falta poesia, simbologia. Músicas que só transmitem som e palavras sem ideias. É tanto “bará bará” que fecho os ouvidos. E mesmo não apreciando a repetição é tanta que me pego cantando. Feito máquina mesmo, só repetindo automaticamente. Quando tomo consciência lembro de minha mãe no tanque sob o sol esfregando e torcendo roupa de 7 homens numa cantoria só. Daí mudo meu repertório.
“Tenho em meu escritório em cima da minha mesa, a miniatura de um carro que a todos causam surpresa...” Desde menino construí as cenas dessa musica na minha cabeça. E até hoje elas voltam ao som de tão bela poesia que conta a história do doutor que foi formado pelo pai carreiro.
A “sementinha achada no chão do terreiro e plantada no chão molhado”, “a carta que a gaivota levou”, “Meu pobre Pai”, “..não há coisa mais bonita que minha mãe aflita vai rezar lá na capela...”, e tantas outras fizeram parte do meu imaginário infantil e até hoje disparam boas emoções em mim ao ouvi-las .
“Quem canta seus males espanta” é mesmo uma verdade. Minha mãe como tantas outras mães cantam na execução das tarefas domésticas, nas auguras da vida e diante dos desafios cotidianos. A música torna a rotina uma doce rotina. Cantar é uma estratégia mental , uma Neurolinguística.