Mansamente

Mansamente...

temos que andar mansamente

para não afugentar os pássaros.

Para não pisar nas formigas,

para ver as nuvens e seus desenhos,

o arco-íris, a poça de lama...

e os que caem nela.

Mansamente iremos perguntar a Deus

o por quê de nossas lágrimas,

de nossos sonhos desfeitos,

dos nossos ideais mendigos de esperança.

Mansamente acendemos a luz a cada novo dia,

a cada réstia de sol por entre as nuvens nosso ave-dia

toca o badalar do coração em mais um mistério do prosseguir.

Eu que nada tenho de herói, de santo ou de covarde,

simples mortal soprando bolhas que o vento leva,

mansamente me rendo aos encantos do pensamento:

uma flor na janela, uma borboleta passando,

um pássaro cantando, uma canção ao longe que só existe

no meu pensamento - talvez uma noite feliz de um dia feliz

de um ano feliz, de um mês feliz que passou mansamente

por entre os dedos da alma - e escorregou para dentro

da memória.

Os mansos herdarão a terra?

Só quero herdar o tempo em que fui e sou feliz

por ainda estar aqui e poder ver a luz da lua cheia

iluminar as trevas quando menos espero.

Uma noite, mansamente, o céu dormirá em suas estrelas

e acordaremos iluminados.