AS HORAS ABERTAS
As horas dividem os dias, as noites, os anos, os séculos e os segundos, sendo elas propícias ou maléficas. De acordo o entendimento dos antigos, desde os tempos remotos, esquecidos nas inefáveis colunas imemoriais dos tempos, existem certos espaços temporais chamados de “as horas abertas”, que são, conforme registrou Câmara Cascudo, “aquele momento em que as coisas más podem agir, deixando demônios e fantasmas atuarem livremente”.
Coincide sempre a morte chegar nessas horas. Os moribundos expelem seu último suspiro nesse pequeno espaço de tempo, pelas madrugadas, nas primeiras horas da manhã, no quebrar da barra ou ao anoitecer. São justamente essas as horas em que se morre.
“Ao escurecer e nas ultimas trevas, aparecem assombrando nas encruzilhadas negrinhos misteriosos, cavalos sem cabeça, visagens brancas e vagas, silvos, apitos, rumores sem a mínima explicação”.
Meio-Dia, Meia-Noite e pelas trindades, são horas misteriosas para o viajante. Horas de aparições e de bruxedos. Nessas horas inefáveis aparece lá em lugares ermos e sombrios o próprio Diabo a andar pela terra procurando a quem atentar com seus desejos e volúpias. Nas Trindades, que é a hora aberta, é quase de fé que nas encruzilhadas se vê coisas ruins.
À hora do Meio-Dia, encontram-se pelas estradas umas coisas más que se chamam de redemunhos e do meio deles saltam as visagens e as aparições saída dos infernos para expiar seus pecados e anunciar suas maldades.
Um caixeiro viajante ou um andarilho que, por pura má sorte, se encontrar em pleno meio-dia vagueando em uma estrada deserta e ouvir assovios, choro de criança ou vozes chamando, que nunca se vire, que não se comova e que não levante a cabeça. “O remédio é fechar os ouvidos, apressar o passo, fazer o Pai-Nosso e esconjurar o demônio”. Se olhar é certo que fica louco.
Muitas vezes, andarilhos solitários contam que se escutam vozes e passos de alguém caminhando ao lado e quando se olha para trás, somente a estrada vazia a se perder de vista.
É bom que não lhes dê ouvidos.
Acautelai-vos e apressai o passo. São as horas abertas procurando a quem devorar.