Reflexão

Faço 64 anos no próximo sete de setembro e tenho interesse de contato com gente que se dispõe a olhar de frente e explicitar o que pensa sobre essa reta da vida, que uns chamam terceira idade, outros melhor idade, outros velhice e, outros ainda evitam até pensar nela, embora a estejam vivendo.

Penso muito na dignidade humana como uma integralidade pessoal em qualquer etapa da vida, que inclua a totalidade das experiências individuais, seja elas boas, não tão boas ou definitivamente ruins. Coisas que os enquadramentos culturais impedem a pessoa de viver plenamente. Sorrir é obrigatório! Chorar é proibido!

Ser jovem é uma ditadura!

E, poder viver plenamente fica como?

Esses enquadramentos ditatoriais valem para qualquer idade, se acentuando mais na velhice.

Como ser feliz na velhice se as regras culturais modernas nos empurram para quadrados sem nos deixar experimentar tudo aquilo que estamos prontos para viver?

As crianças têm dor de barriga, febres, gripes... e, as enquadramos sob o critério de fragilidade a definem como demandantes de cuidados, acrescidos de uma perspectiva positiva por eles estarem em desenvolvimento - e, viver a infância plenamente como fica? Como fica a liberdade de correr descalço, sentir frio, mesmo que fure o pé ou pegue um forte resfriado?

A alegria que se tem de correr com o rosto livre contra o vento não vale o preço do resfriado, do pé furado e, quem sabe, mais raramente até a coceira de um bicho de pé?

Os adolescentes coitados! Ai deles se não fosse a energia rebelde que possuem. Enquadra - se tanto a adolescência que, atualmente, eu sinto essa faixa etária como a mais perigosa para se viver. Há até profissionais que comparam a adolescência com uma esquizofrenia.

Mas, ah! Como é bom fazer experimentações! Colocar em cheque toda a força física, mental e emocional que se adquiriu até esse momento da vida, confrontar as conservações do mundo para ele renovar!

Os adultos jovens, época de relativo descanso para viver - o indivíduo livra - se um pouco dos rótulos, mas como qualquer faixa etária tem coisas boas e não tão boas ou, até declaradamente ruins.

Pode - se decidir por conta própria, mas o rótulo de que está plenamente livre pode trazer solidão diante de tantos testes de realidade que precisa fazer por exigência da própria vida. Essa é a única exigência legítima que como viventes precisamos nos submeter, em qualquer tempo existencial.

Ter um trabalho que lhe faça feliz mais que simplesmente não seja, somente, meio de suprir suas necessidades físicas e materiais. Ter um/uma parceiro/a sexual contínua ou viver o sexo casual?

Ter filhos ou escolher não tê - los?...

Enfim, são tantas as possibilidades que vivenciá - las sob a compreensão de que somos prontos para vivê - las de modo individualizado, embora tragam prazer podem também trazer solidão.

E, ninguém nem ‘thummm’ para a pessoa nesse momento existencial, afinal ele está preso aos rótulos de ser livre, suficiente e autônomo.

Segue a vida por alguns anos nessa perspectiva da autonomia e, por ela sob o signo da autossuficiência e da solidão, até que chega ao que se entende por meia idade, momento real de segurança mais plena.

As interpelações da vida continuam, mas é muito bom ter perdido os temores que costuma nos acompanhar até essa faixa etária e, você fica anônima de si mesma – liberdade é o sentimento mais comum.

Acho que nessa faixa etária cabe, pelo menos para mim coube muito bem à máxima do samba "deixa a vida me levar, vida leva eu; deixa a vida me levar, vida leva eu..." Aí como é bom viver!

Mas, os rótulos não te deixam plenamente livre e te são apontados no cotidiano: o menino ou menina na rua te chama de tia/tio. Os colegas te trazem as próprias angústias com as possibilidades das rugas e doenças chegarem e, que na maioria das vezes, nem existem. Ou, mesmo com a negação da faixa etária vivida de diversas maneiras.

Aí um grande problema: como encontrar pares com o objetivo de vida plena? Como simplesmente viver? E viver acompanhado de gente que não precisa por si mesmo de um rótulo para se auto definir?

Aí começa uma demanda difícil de ultrapassar - o tempo vai passando e ela só vai aumentando. A demanda de ser simplesmente, mesmo que se tenha dor no joelho como criança tem dor de barriga, já que a negação dessa faixa etária acaba por trazer efeitos colaterais que, se não aparecem como doença, aparecem como uma infantilização no sentido de manter a eterna juventude.

Ás vezes chaga-se ao exagero de não gostar de estar com as pessoas da sua idade assim como gostava de estar com as pessoas contemporâneas nas faixas etárias anteriores.

Aqui eu me sitio - difícil é o entorno deixar eu me situar como pessoa simplesmente, vivente, nada mais!

Nem me auto definir livremente como velha, o termo que mais gosto, entre os tantos rótulos para essa faixa etária eu posso, pois o medo da velhice de uma grande maioria me vem pelas bocas de muitos companheiros de caminhadas:

- Velha não!

- Velha é trapo!

- Não fala assim, fala “melhor idade!”

Ou, quando argumento pelo meu desejo de me auto definir dessa forma, vem o rótulo mais aprisionador:

- Velho não, vamos usar o termo certo - terceira idade que é o termo usado pelos estudiosos.

Ora, amigos, respeitando aqui o desejo de cada um, o modo como cada um se sente e o desejo que cada um tem no modo de se auto definir, eu sou velha e sinto - me anônima de mim mesmo, no que diz respeito o tempo que vivo.

A infância, a adolescência, o adulto (que, também, ainda sou) foram tempos bons, mas hoje nada mudou - acho que é até melhor, porque as demandas de todas as outras faixas etárias já ultrapassei e, hoje estou mais livre, segura para a vida que segue, porque nem da morte me dou conta, pois que a condição para morrer é se estar vivo e, não velha como estou.

Viva la vida!!!!

Francisca de Assis Rocha Alves
Enviado por Francisca de Assis Rocha Alves em 04/05/2017
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