Criança de girassóis
Eu olho para ela. É uma criança pequena, usa um vestido azul-escuro. Vestido estampado de girassóis amarelos.
Sapatinho preto. Meias brancas compridas. Era frio do inverno. Por isso, a blusa de moletom de cor azul desbotada, por baixo do vestido florido.
A criança está sentada em um banquinho branco, sozinha. Atrás dela, há a noite, o bosque, as árvores altas, a neblina, o escuro.
A criança iluminada sorri. Um sorriso cansado. Parece cansada de tanto brincar e correr.
Está com as perninhas cruzadas. As mãos pequeninas apoiadas no banco.
O bosque, atrás dela, sugere medo, mas a criança não parecia se importar.
E naquele dia, naquela hora, a criança de girassóis sorriu para a câmera, por alguns segundos.
[...]
Vinte e dois anos depois, a criança olha a fotografia. É capaz de enxergá-la, descrevê-la, mas incapaz de reconhecê-la.
É o meu rosto ali. Congelado. Parado no tempo por mais de vinte anos.
Mas aquele momento não existe mais. Eu não lembro dele. Não lembro o frio que eu senti. Não lembro nada daquele dia. Não lembro da criança da fotografia.
Eu não sei o que ela pensa, o que ela quer e do que ela gostaria. Eu não a conheço mais. É o meu Eu não reconhecido. Foi um momento vivido, mas perdido no esquecimento.
E é o tempo que passa. E é a gente que cresce. É tudo o que muda. É o que a gente conhece, reconhece, desconhece.
É a fotografia velha que diz tanto, e, ao mesmo tempo, não diz nada. É o que fica. É o que se perde.
São memórias perdidas, repetidas, sentidas. São sensações esquecidas. São os instantes de uma vida. Uma vida tão breve, tão longa.
Ainda não compreendida.