O andraje
Cheguei, enfim estou de pé à sua frente.
Trouxe comigo a tediosa sensação dos meus dias mórbidos e nublados, monótonos e demorados, como mendigo que erra pela rua, que nunca foi nada, mas sempre pensou em ser.
Trago aqui enfiada no meu bolso a sensação que corrói a alma daqueles que esperaram demais e nunca fizeram nada, a altura sem precedentes da vida de nada que carrega pelas ruas vazias de uma madrugada chuvosa.
Trago aqui abraçada comigo a delirante sensação de estar sorrindo como aqueles que sorriem por algo que não foi feito para sorrir, num terno momento em que as incertezas dos acertos tornaram-se em certezas de erros.
Trago aqui comigo a penumbra da sensação mórbida que cobriu o meu céu numa manhã clara de sol, como quem acordou de noite, e de noite para sempre ficara.
Trago aqui comigo a triste sensação de estar vivendo os meus pesadelos, como o poeta que vomitou seus versos sublimes em cima de uma realidade medíocre.
Cheguei, e trago comigo os dias que ainda não vivi, e os que vivi, construiu-se-me na aberração que você vê agora, e também trago a desesperança das malditas horas que virão, e hei de tornar-me o andraje sujo gasto pelo tempo.