O homem em toda a parte
Sou o que no indizível leio. A entidade efêmera das leituras breves - vívida - que desfigurada pelo banal e irreconhecível homem comum toma a forma quixotesca que o drama humano costuma professar no inaudito. O ninguém que plastifica o rosto de todos, e na semelhança de nenhum, refere-se a outra face humana - a do mundo. Coadjuvante eterno, o único que vê sem ser visto.
Enquanto batem-se os martelos que decidem entre concretos e abstratos, a vida lê-me. Desconhecida aos olhos que me veem e aquilo que de mais próximo posso ter convosco. Insignificante, contudo presente em todas as coisas. Senhora de todos os poderes que conjuram a aura que tenho e não divido: assistir todos os assuntos pertinentes ao destino e todos os outros que não interessam ninguém.
Quem aplaude o cidadão semi-vivo, recita os poemas do silêncio roubados, confidencia as juras de amor e morte de tolos quaisquer? Inspecionar os esgotos, profanar túmulos, testemunhar mentiras, reivindicar os direitos inúteis; e não responder a ninguém. Não há quem possa fazer isso.
Enquanto todos dormem, ainda assim estou cá, nas formas primais, nos nomes, nas rusgas, nas sensações detestáveis todavia familiares. Sou a alma imortal de todas as coisas que tomam rumo, num enredo cotidiano que pela boca do fofoqueiro ou pela fome do perverso, na angústia do amante e na fúria do traído, ganham sua audiência. Sou aquilo que de nada vale contar…
De que me chamam, então?
…
Outro drama começa. E conquanto todos falem d’outras cousas, eu ainda existo, sem poder descansar.
#Ariscadian_Digest