O homem em toda a parte

Sou o que no indizível leio. A entidade efêmera das leituras breves - vívida - que desfigurada pelo banal e irreconhecível homem comum toma a forma quixotesca que o drama humano costuma professar no inaudito. O ninguém que plastifica o rosto de todos, e na semelhança de nenhum, refere-se a outra face humana - a do mundo. Coadjuvante eterno, o único que vê sem ser visto.

Enquanto batem-se os martelos que decidem entre concretos e abstratos, a vida lê-me. Desconhecida aos olhos que me veem e aquilo que de mais próximo posso ter convosco. Insignificante, contudo presente em todas as coisas. Senhora de todos os poderes que conjuram a aura que tenho e não divido: assistir todos os assuntos pertinentes ao destino e todos os outros que não interessam ninguém.

Quem aplaude o cidadão semi-vivo, recita os poemas do silêncio roubados, confidencia as juras de amor e morte de tolos quaisquer? Inspecionar os esgotos, profanar túmulos, testemunhar mentiras, reivindicar os direitos inúteis; e não responder a ninguém. Não há quem possa fazer isso.

Enquanto todos dormem, ainda assim estou cá, nas formas primais, nos nomes, nas rusgas, nas sensações detestáveis todavia familiares. Sou a alma imortal de todas as coisas que tomam rumo, num enredo cotidiano que pela boca do fofoqueiro ou pela fome do perverso, na angústia do amante e na fúria do traído, ganham sua audiência. Sou aquilo que de nada vale contar…

De que me chamam, então?

Outro drama começa. E conquanto todos falem d’outras cousas, eu ainda existo, sem poder descansar.

#Ariscadian_Digest

Hernán I de Ariscadian
Enviado por Hernán I de Ariscadian em 22/04/2017
Reeditado em 22/04/2017
Código do texto: T5978529
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2017. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.