Na selva de concreto, caminha  rebanho  de ovelhas sem pastor. Gente de todas as raças, mulheres de todas as taças, miúdas e pequenas trafegam ligeiro em muitas direções. Multidões de veículos  deslizam velozes no negro asfalto. Adiante, um assalto põe a vítima em histérica gritaria. Ninguém para.  Tudo passa apressado na janela da existência, e já não  se tem tempo sequer para um bom-dia ou como vai. A noite cai e guarda em sua sombra a  Pedra da Gávea.
 Passa o tempo, passa o vento...
 A vida passa, passa ligeiro pelo vértice da existência, repousa como a areia deixada pelo vento e descansa em paz. Tudo passa: os rios correm apressados, o regato serpenteia entre montanhas, e descansa na bacia do mar. Assim também, a alma humana, um dia descansará em paz no oceano das águas criadas. Misturadas criador e criatura, uma só água pura e cristalina. A menina dos olhos não alcança a finitude, tudo é tão belo como aurora que se põe no entardecer. De repente, em versículos, velozmente, a vida passa. Passa a vida, passa o tempo, passa boi, passa boiada, passa o vaqueiro na estrada. Só a saudade não passa.
 A menina passa a vida aguardando ficar moça. Guarda virgindade para o matrimônio, mas o homem é garanhão como um cavalo roncando atrás de uma égua no cio. Vil machismo: o que é pecado para a mulher, não o é para o homem. O dicionário também machista: registra só palavras masculinas, o gênero, se faz à parte. Há também outros livros que protegem o homem. Fala de mãe solteira, e não menciona o pai. Apedreja a mulher adúltera.  É o padrão social. As regras que a sociedade dita. Ninguém reclama, ninguém  grita. Mas no meio do caminho está um ancião de vestes brancas. Ele não atira pedras, e replica: “Mãe não é estado civil.” 

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Adalberto Lima, trecho de Estrada sem fim...