Vovó Márcia
Vovó Márcia
Não me assusta as rugas que poderei ter, os dentes gastos; "moeduras" que do uso poderão ficar pela metade. Para não dizer da substituição deles pela prótese dentária, caso haja necessidade. Do escurecimento do mundo pelo enfraquecimento da visão, janela da casa.
O desgaste antecipado me rondou e me fez de cobaia, experiencio-o nos dias; a rotina da idade longeva no mecanismo do corpo.
O pesar das pernas e braços, o refratar da luz que sinaliza o movimento dos dedos no salpicar a tecla de um computador, o pinçar com eles sem êxito um mero pedaço de papel, sem contar a aflição muscular pela exigência da vontade no movimentar.
Entendi o império da falha mecânica do corpo, veículo da alma, que depois de algum tempo de uso começou apresentar defeitos recorrentes.
Antejo em "tempo real" e "ao vivo" o que é sentir o peso do corpo em um bocadinho de passos, a exaustão chega. A respiração ofegante por ter agachado além da conta, sinto toda rede muscular pelas dores que sinalizam diariamente ao movimentar.
Não me assusta mais a fase da velhice que está em potência, dizendo na expectativa futurista que poderei chegar nela.
Como no filme"De Volta Para o Futuro", viajo na ideia do que pode ser o vivenciar do idoso pelo corpo físico.
Pinto o rosto e cabelos ciente que é somente para "inglês ver", vivencio o germinar humilde dos primeiros cabelos brancos sem surpresa, vivo desapegadamente o remanescente da mocidade que me resta, individualizei a experiência os três estados do tempo em um, passado presente e futuro.
Não me assusta saber que a velhice chegará, cessou a ignorância da estabilidade da juventude no tempo. Aprendi pela linguagem do corpo a fragilidade da preciosa existência humana.
Chego querer concordar com Bial de que a vida pode ser uma tremenda piada de mal gosto. Mas o encanto com ela insiste em manter morada no peito.
E agora, no banco de reserva, presto diariamente louvores e oferendas ao Grande Inventor disto tudo, o espetáculo tem poltrona "vip". Somente "Eu" vejo.