[Ela e o Canto da Três-Potes]

A fé que, "ela", se não surgiu, um dia há de surgir! E mesmo que chegue após a curva dos quarenta, cinqüenta, ainda que venha depois de várias, “ela” ficará sendo a primeira — pois só com “ela” é que se realizará uma conjugação misteriosa, para sempre misteriosa, de corpo e espírito! Quando “ela” chegar, o sujeito vai saber que ela, é “ela”; e para o seu azar ou para a sua sorte, vai descobrir que esta que ele tem agora, não era “ela”! “Ela” não existe em cada esquina, em cada bar, em cada exposição de arte, lançamento de livro, café de livraria, cinema, ou em salas de conversas da internet — “ela” está em todos esses lugares e em lugar nenhum, pois “ela” só vem mesmo trazida pelas asas do Acaso! “Ela” tem parte com a magia: muitas vezes esteve perto, bem perto, e não foi vista!

Mas será que existiriam várias "elas" na vida de um homem; haveria um estoque de “elas” nos desdobres do espaço-tempo?! Temo que não... Ou, subvertendo a pergunta: existiriam vários "eles" na vida de uma mulher?! Aí, não arrisco nem a temer! O que você acha? A resposta a essa grande questão não é simples... e acho mesmo que cada um tem a sua resposta — não há mesmo uma resposta assim, cabal, tiro-e-queda, válida para todos.

Para que falar do difícil, se nem do fácil um dá conta de saber? Assim, vem esta pergunta gasta, mas sem solução: há uma espécie de condenação que reza que somos feitos para amar uma só vez nesta vida? E o pior do óbvio: o vulto do que se perdeu só é visto ao depois... isto é que é perder a fundo, perder o que de mais caro se achou! Ara, tem graça essa vida?! Então, só então, experimentamos a vigência daquela dor funda, o buraco cavado no peito, a cal virgem queimando — as brasas da sensação do quanto valia o que se perdeu...

Cada um sabe de si... Eu acho que agora sei de mim: sob a canga das minhas circunstâncias, caminho para morte, em ordem, firme, mas sem paz. Morro num desassossego, numa inquietação de quem queria mais tempo pra consertar, quando já vai chegando a hora de partir. Vento suave ondulando o capim das montanhas, céu de chumbo, e a três-potes, na beira do brejo, chamando a chuva — era o que eu queria para o meu enterro... tristeza, pra quê? Remei, remei, dei no que dei; ninguém me pôs um 38 na têmpora pra forçar as minhas escolhas! A valia do que eu mesmo acho destas coisas todas? Nem carece de perguntar; o que eu acho é só para mim, pro meu gasto, para os meus acertos comigo mesmo. Não conduzo ninguém, ninguém me conduz; eu me estrago é sozinho mesmo! Nada vale nada...

E caminho só — isso, eu sei bem! Aos tantos idos de minha vida, não há quem ouça comigo os cães latirem para o ermo da madrugada tombada sobre a cidade! Assim, sozinho, todo ermo fica mais fundo, sempre mais fundo... sempre mais ermo! Batente-de-fim de linha, pedra, silêncio e vento nos pendões roxos do capim — as montanhas de Minas azulam ao longe, bem longe daqui... chove lá? Teve resultado o canto da três-potes? Será? Será?

[... eu nem disse nada, nada não - só miolo-de-pote!]