Mister Sandman
Deitei na cama como quem busca destruir todas as memórias, num processo de lenta recuperação e imediata negação. Falta-me banho, alimento, sinto sede. A noite substituiu o dia, e o máximo que fiz foram sucessivas tentativas de chegar à porta do quarto, em vão. Os músculos saudáveis vestem a doença, meus ombros curvam-se a cada passo, como quem carrega a própria mediocridade nas costas nuas. Aninho-me ao cobertor puído, sinto frio e surpreendo-me por ainda ser capaz de sentir alguma coisa. Eu era plastificada, robótica, envidraçada - você sempre considerava essas hipóteses engraçadas, porque você era o único capaz de aquecer a cama. Atormentada pelo crepitar das minhas próprias lembranças, ardendo por uma lobotomia, por um furo no tímpano, por um cano polvoroso à boca, a realidade dilacerante da tua ausência me rasga como em um eterno golpe final, a espada de Laertes, sem testemunhas nem belos verbos. Dormi em nome da biologia e, desprovida de dignidade, sonhei. O teu lado da cama estava fundo, ainda tinha o cheiro do teu sabonete.
Oh, Mister Sandman, bring me a dream...