Carta ao vento
Acordo hoje no sertão baiano. Aqui pelas bandas do Cristo Sertanejo, onde Mário Cravo esculpiu a face assombrada de pertencer à terra seca, no rosto do divino.
Acordo dentro e fora de mim. Eu que cresci no cerrado dos gerais, onde a sede de vida me ensinou a buscar água nas raízes. Nunca na superfície. Nunca impregnado do necessário à superfície é o que sacia uma vida. Modo de que nunca me contentei com a aparência as coisas.
Acordo ao vento. Sempre me sopra o vento. Ele que vem do mar e sempre chega queimando no sertão. Violenta a pele. Cola no olho a mensagem engarrafada. Areia corta. Não existe limite entre o dentro e o fora. Tudo é vento. Tudo rasga. Tudo molha a terra seca do sertão.
Acordo forte diante dessa miséria contorcida da natureza das coisas. O sertão é pr'além dela. O sertão se arregaça em vida e morte. Ouve um apelo submerso. Significa o porvir. Vê a promessa. O impossível. A fé. O perigo que há em viver. Sempre um dia de cada vez. Sempre cada noite engolindo o corpo e o devolvendo ao sol.
Acordo faminta de voz. Grito. O sertão é carente de eco. Escrevo. Texto é sertão. Deixa rastro. Suplico ao vento que leve. Lanço. Remeto. Quem sabe o vento acha olho pr'as palavras. Olho que abre corpo. Olho que acolhe. Olho que movimenta dentro. Olho que deseja. Olho que se deixa tocar. Olho que significa. Olho que me incorpora.