Malabares

Meus desejos sempre foram ao encontro dos desejos de pessoas e de coisas tidas como pequenas. Prefiro quem mora na rua ao ilustre engravatado, a poça de água ao computador, um beco encardido ao asfalto, a borboleta ao avião. As coisas pequenas sempre me causaram mais afetações, me provocaram um olhar para o chão, para o nada. O nada é outra abstração que me impressiona. Prefiro o nada ao tudo, mas também sou afeito às coisinhas miúdas que transbordam. Gosto mesmo é dos extremos.

I

Na esquina do beco empoeirado que habito, há um artista enfeitiçado que realiza malabares com facões. Ele é o maior mágico das redondezas. O sinal findado, os automóveis parados e, com três facões em duas mãos, ele parece desafiar leis, códigos, regras, imposições e mandatos. Ele faz o impossível: Utiliza uma ferramenta que representa a morte para produzir sua arte e resistir a um mundo embrutecido. Ele traz encantamento aos raivosos que habitam máquinas de quatro rodas e a mim, que o observo diariamente da minha janela que não vale nada. Ele é um criador da magia.

II

O primeiro beco que habitei em Porto Alegre tinha tudo: borboleta, engravatado, cientista, historiador, contador de anedota, traficante, ladrão, morador de rua e puta. Lá, dentre outras coisas, fiz um amigo. Ele era um rapaz esguio que morava nas entranhas da rua, muito perto da lua e do mar. Ele estava sempre ali, e eu sempre lá. O tempo foi passando e seu sorriso crescendo, chegando a medir três metros de altura. Um sorriso moldado ao mundo pra fazer os outros felizes. O morador das ruas me tocou as espigas da alma. Dormia num papelão e sempre corria me abraçar, enfeitiçado de tanta loucura. Meu amigo é a maior máquina de produzir sorrisos. Deve hoje habitar algum lugar do céu.