QUANDO CHOVE NO SERTÃO

Quando chove no sertão, o céu de um azul cintilante se faz duma hora para outra cor de chumbo, com nuvens espessas se avolumando no horizonte, fazendo desaparecer a serra no meio de névoas. A vegetação das caatingas, nessas paragens, outrora raquítica e seca, ostenta agora todo o seu luxo e vigor, flores agrestes rebentam no meio da mata, pequenas árvores copadas se revigoram chamando os bem-te-vis, um escampado de relvas se estende sobre o lajeiro; arbustos de melão-caetano se entrelaçam, subindo fagueiros pelas cercas abandonadas.

Meu avô, seu Alfredo, estupefato diante de tanta beleza e que não via há tempos, suspirou bem fundo para sentir o cheiro da chuva e da terra molhada.

– Vixe, minino! Vem mais água por aí!

Minha avó, dona Rita Júlia, pequenininha, enrolada numa colcha de retalhos, com os olhos translúcidos de chuva, assentia com a cabeça, em seu silêncio peculiar.

A tarde ia já se desfazendo em cores pinceladas nos rochedos ao longe.

O sol esmaecia no horizonte e adormecia sobre as estradas sonolentas, iluminando o dia com os seus últimos raios.

A luz tênue e suave do ocaso, serpenteando pela agora verde vegetação da caatinga, debruça-se como vagas douradas e purpúreas sobre a folhagem das carnaubeiras balançadas pelo vento gélido anunciando a noite.

Os frutinhos silvestres salpicam com suas flores brancas e delicadas; o copo-de-leite já se abre lentamente para beber no seu cálice o orvalho noturno. Uma música de notas suaves saúda o pôr-do-sol que já projeta sombras enormes por sobre o sertão chuvoso.

Era a solene hora do Ângelus, a hora misteriosa do entardecer, em que o sertão se prosterna para sussurrar a prece do sertanejo. Um radinho de pilha ao longe entoava a Ave-Maria de Gounod.

A noite prometia ser chuvosa. Os trovões já ribombavam, riscando o céu já escuro com raios impressionantes, clareando toda a mata. A chuva então se precipitou forte, encharcando o chão seco. A serra ao longe envolta em densa neblina parecia tremer sob o impacto da tempestade.

O inverno chegou.

Obs: A propósito – não sei se alguém percebeu – o entardecer descrito foi intencionalmente adaptado de José de Alencar em A Prece do romance O Guarani: …”Um concerto de notas graves saudava o pôr-do-sol e confundia-se com o rumor da cascata, que parecia quebrar a aspereza de sua queda e ceder à doce influência da tarde.

Era Ave-Maria. Como é solene e grave no meio das nossas matas a hora misteriosa do crepúsculo, em que a natureza se ajoelha aos pés do Criador para murmurar a prece da noite”!