Plano de "Vou"
Como de costume acordei com olhos empoeirados de nebulosas e pó de estrelas, vermelhos de silêncios e gerândios, com voz rouca de brotar de poemas... e fui direto pra janela espiar a vida acordar.
Atravessando a rua em passos lentos uma leva de centopéias descalças, chegavam de onde a beleza brota. Assobiavam uma canção nostálgica dessas que sapos coaxam à margem da lua, quando cheia jorra poesia em cascata.
A última estrela que havia no céu abastecia o firmamento inteiro com uma luz leitosa alaranjada que se espalhava rapidamente como nuvem montando o cavalo selvagem das horas em dia de tempestade iminente. No galope enchia o ar com a poeira das sombras da noite que ainda cochilavam às margens dos olhos sonolentos do dia, espalhando um cheiro doce: mistura de gardênias e maresia-lunar.
Com a cara amassada de sonhar, pulei até o céu da minha infância e voltei com a camisola rosa de cetim impregnada de borboletinhas pequeninas que em festa borboleteavam às margens do caminho.
Com um sorriso pueril me espalhei inteira de meninice e delicadeza na ponte entre minha foz e a nascente e fiquei ali quietinha ouvindo o jorrar da cachoeira de girassóis vindo lá das bandas dos campos floridos de Van Gogh.
Rapidamente o céu se encheu de pétalas rubras de nuvens e precipitou no solo entulhado de gramas frescas todo o perfume daquela manhã primaveril com gosto de infância encantada.
Com medo de assustar a magia delicadamente pendi a face úmida e rosada para o poente, de onde vinham raios de sonhos remando em minha direção até o limite de minha alma aberta para os roseirais da primavera, e ali ancoravam o barco da Aurora.
Um vento vagabundo atravessou-me com brisas, flores e poesias úmidas de arrebóis. Arrebatou-me!
Fecho os olhos de versos nus e inocência e descanso nos braços do vento, que me leva...
Me leva...
Me leva pra longe!
(Edna Frigato)