Mulher de Joelhos - Edvard Munch (1863-1944)
As lágrimas não doem…
O que dói são os motivos que as fazem cair!
Mario Quintana
AS LÁGRIMAS NÃO DOEM...
Era a primeira vez. Doeu! Chorou! As lágrimas não doíam. Doía a vergonha que sentia. Doía, não era uma dor física, mas dor por ter que calar. Sentiu vontade de fugir, vontade de gritar a sua dor ao vento. Resolveu dar uma chance, à vida e a ela mesma. Tentou esquecer. Tentou não ouvir a voz do coração. Começar de novo pareceu-lhe a melhor solução. Passou algum tempo.
Foi inevitável a segunda vez. Não havia motivos, mas não teve como evitar. Doeu! Mais uma vez chorou. Doám-lhe os motivos que fizeram aquelas lágrimas cair. Todos e mais alguns. Não sentiu vontade de gritar. Apenas vontade de calar. Ter calma. Adiar. Aliar a dor, adiar o sofrimento, adiar a vida, adiar o tempo. Como se fosse possível adiar o tempo que cruelmente fere na carne e na alma. Mais uma vez tentou esquecer, não sabendo estar aniquilando todo o seu ser.
Tirou férias. Resolveu ficar em casa até desaparecerem todas as marcas do corpo. As da alma, essas sabia que nada nem ninguém poderia curar. Mais uma vez chorou. Por si e pelos seus. Tentaram convencê-la que a culpa era dela. Que teria que esquecer. Que teria que melhorar, se embelezar. Certamente ele iria gostar. Ficou doente, quase anorética, de tanto querer emagrecer. Ninguém a foi socorrer.
A terceira vez não pode esconder. Vermelho e quente, o sangue jorrou mas dor não sentiu. Não fugiu. Não fingiu. Reuniu as forças que ainda lhe restavam e gritou. Gritou. Gritou. E mais uma vez chorou. Chorou. Chorou. Todo mundo ouviu mas ninguém escutou. Ninguém apareceu. Ninguém para a socorrer naquele momento. Ninguém para a compreender. Não houve um pedido de desculpas. Não houve arrependimento. Não queria morrer. Apenas queria não ter vergonha de viver.
Ana Flor do Lácio