Um dia sem angústia
Passei um dia todo à sombra de um tranquilo estado de espírito, do abrir dos olhos até poucos momentos atrás, havia sobre mim um ar novo e comum de vida, sentia-me leve como as nuvens, e do meu olhar a visão dilatava-se por sobre as linhas e contorno do horizonte, delineando casas e montes, até as unhas dos meus pés sujos. Via nítido e claro como o céu. Perguntava-me como teria despertado tão sereno, eu pensava mas não sentia. Algo estava diferente. Os pensamentos eram como trovoadas de uma tempestade longínqua, onde se ouve apenas o eco dos trovões; mesmo com tantos problemas sussurrando na mente eu estava calmo como um mar tranquilo, incomum para mim, e leve, leve, como quem anda sobre o vale das sombras de um pesadelo e sabe, no fundo do coração, que tudo está bem pois tudo é um sonho. Perguntava-me se amanhã abriria os olhos para o sol e o veria sem meus olhos empoeirados de cinza. O que aconteceu para além de mim que me fizestes hoje, sentir como se tudo, absolutamente tudo, estivesse correto, certo, no seu devido lugar? Um universo onde tudo era e foi, será e é, como é, para sempre. O vento que passava, o roncado da moto, as vozes de crianças que chegavam aos sentidos junto dos grunhido constante e distante de balanço, que agora, ao lembrar, sinto saudade daquele momento - em que eu estava ausente de mim mesmo…
O dia passou como todos os outros, e sem que me visse ir de mim, assim como não sei como despertei bem, a monotonia de tudo e o ar estagnado do lugar onde moro já deita por sobre as coisas a sua face cansada, refletida pelas lágrimas nos meus olhos. E na alegria triste de uma mãe que teve a chance de se despedir mais uma vez do filho falecido, volto para meu tédio de cada dia, para o meu lar esquecido, com gratidão no coração por ter sentido um dia inteiro sem angústia. Mas, olhos insistem em beber água o resto da noite…
E cai a noite. A noite cai, e eu já não me aguento…