À mesa ou no jardim com Burle Marx
Por algum motivo que explicar já seria causa de o empobrecer, acordo com Burle Marx, que me para à mesa e me convida a passear por cores e jardins. Talvez porque eu tenha acordado na miséria de um uníssono verbo-tom, talvez porque a ausência de simetria seja a harmonia de uma nova manhã, talvez porque eu prepare o café nessa arquitetura poética de jardinagem, talvez porque a linguagem pictórica comece onde a palavra perca a razão de ser, talvez, no tão sonelemente agora que assina meu eu, porque eu queira mesmo ser um jardim. Um jardim-quintal, desses onde se tem uma árvore para sentar embaixo, onde se coram roupas em alvejados brancos, onde há verdes hortas e um varal. Sempre gostei de varal, desde a palavra, buscada em varas, também elas as de pescar, até os corpos dançando ao vento, vestidos de fina leveza, qual seda em asas de borboleta. É certo que para ser borboleta é preciso passar pelo casulo e para sabê-la é preciso passar dez ou vinte vezes mais e, talvez por isso, ainda sem explicar, eu esteja à mesa com Burle Marx, convencida de que a vida é uma figura com milhares de faces, em interfaces com casulos.