Do amor (?)

Sim. Amor é uma palavra muito empoeirada. Muito visitada. Muito vestida. Muito adornada. Eu não quero falar desse amor. Eu já nem sei se se pode chamar amor aquilo do que quero falar. O que eu quero falar se instala na nudez da palavra amor. Antes do silêncio. Antes do sopro. E depois, ainda, da desordem no corpo da palavra. Depois da reviravolta linguística. Do choro anestésico do som. Da dor ou alegria profunda de enunciá-la. Eu quero falar de algo que não tem antes nem depois. Algo que não se sabe como chega e porque fica, enquanto fica, e nunca se sabe quanto, se alimentando de sangue vivo. Algo que não cabe no tempo, mas não pode ser fora dele. Acontece na duração. Algo que não pode ser dito sem asfixiar a palavra. Simplemente absurdo, no campo sintático; impossível, no trato semântico; inexigível no mundo pragmático. Eu quero falar do que só é na livre acontecência que nada pode esperar e vive de nunca saber seu vir a ser. Eu quero falar acima dos gêneros, antes deles, para além deles e mergulhar a imensidão verbo-nominal da palavra amar, até onde não mais puder ser vista na linha do horizonte. Chamemos, com todos os limites, do nome que assim se movimenta dentro de cada um. Ou simplesmente não chamemos. Ao amor, não cabem pseudônimos.