Supremacia das Flores

... Meu perdão não é importante. Percebo ao andar pelas ruas, no olhar dos homens (em sua maioria, solitários bêbados no cárcere contemplativo de sua demência cognitiva) para aquilo que chamam de "curvas" em meu corpo; tudo é um contexto sexual. Sou um objeto e eles não precisam do perdão de um objeto. O mundo inteiro parece pensar assim, garota. O mundo dividido e conquistado pela cultura dos homens.

Consegue imaginar os milhões e milhões de vídeos do YouTube e a diversidade que esse sacramental veículo do entretenimento comporta? Ele é como uma mulher, nessa essência. Conseguiria imaginar o YouTube constituído por um único canal? Um único público alvo, uma única linguagem. Isso lembra alguém? Aqueles cuja libido subtrai a quantidade de informação.

O que posso fazer? Para todo lado que eu vá, encontro vestígios do insaciável desejo de submissão pela chance de possuir meu corpo. Há um papo óbvio: "Olá, tudo bem?"; identifico certo nervosismo (a maioria não resiste e olha para meus seios). Tento, porém, falho em ser educada. Afasto-me, fria e aliviada. Serei a vadia na história que ele contará aos seus amigos mais tarde. "Ela nem me deu atenção, filha da puta!". E é assim a maioria dos dias.

Você pode encontrar o fanatismo de pessoas que dirão que há milhares de anos a vontade divina decretou a vida da mulher como um complemento para a vida do homem. Não acredite na interpretação de um livro incoerente por pessoas falhas que ignoram que outras pessoas falhas em uma era falha o compuseram sob o pseudônimo de "Deus". O verdadeiro criador não teria vontade no desejo de desigualdade entre seus filhos. Esse desejo é a cultura do homem, fixada nas posteriores gerações pelo aglomerado ideológico perpetuado no "Livro Sagrado" de um tempo hostil.

Fez de mim um suculento pedaço de carne, milhares de anos antes da minha existência.

Tive uma amiga que certa vez foi assediada pelo chefe enquanto limpava os banheiros no trabalho. O cara passava os dedos nos seios dela, na coxa, apertando-a contra seu corpo. Ele perguntava "Quer ver meu 'amigo'?". Ela disse que nunca iria esquecer isso. Hoje ela tem marido, filhos e uma casa agradável, até onde sei. Não nos falamos desde o fim do supletivo. Será que ela realmente não esqueceu? Acho que não... Mas houve um tempo de mudança, ela cresceu e agora sua vida não é mais apenas sua. É assim quando alguém ama você e você ama esse alguém. Você recorda das coisas só para medir o quanto sua vida desviou de caminhos estreitos e escuros; do quanto você deixou o passado, bom ou ruim, impulsionar um futuro brilhante. Acho que ela se recorda do que aconteceu, mas não liga. É só olhar para a vida que tem.

Gosto dessa fantasia. O casamento seria a queda de toda desigualdade ou costumes em um cotidiano singular. O homem se torna cavalheiro, a mulher se torna dama. Um relacionamento sem as triviais características de manutenção doméstica da mulher e gerenciamento financeiro do homem. A característica seria a perfeita sincronia, como dois relógios presentes na mesma dimensão subatômica funcionando à favor da plenitude da vida.

Mas é apenas uma fantasia. Ambos os gêneros guerreiam entre si. Era ruim antes, mas não imaturo. Mas agora... Em meio aos destroços de um mundo confortavelmente seguro na ignorância, a juventude exige que seja dado aquilo que ela precisa conquistar. Aquela minha amiga... trabalhou por anos num emprego merda, foi assediada, insultada por clientes apáticos, saía direto para a escola muitas vezes com cheiro de gordura, passava 11 horas presa a responsabilidades que talvez resultassem em nada. Ela encontrou alguém que reconheceu seu sacrifício e a respeitou por isso. Ela conquistou a vida que tem hoje e o respeito em seu círculo de convivência. Ela não dizia coisas como “Sou mulher, me respeite”. Ela fez o respeito existir, sem exigi-lo. Uma verdadeira dama.

Isso que chamam hoje de feminismo... é uma ilusória sensação de coragem e força. Sua mãe ou tutor é forte, já que, graças a ela ou ele, você tem o mínimo de saúde e tempo para ler estas palavras. Você só dá mais motivos para a cultura do homem achar que não precisa do nosso perdão. Nosso perdão pelas inúmeras vezes no decorrer da história em que fomos apenas um instrumento descartável para o alívio de sentimentos bipolares progressivos.

Me chamo Olívia, tenho 26 anos. Minha vida coadjuvante na cultura antagonista do mundo apenas começou.