...por falta de um título...
Está mais claro que a luz do sol a ruína de minha vida. A cada dia torna-se mais evidente e palpável o caminho de pedregulhos no qual minha vida se enfiou; restos de sonhos construídos pela metade, destroços do que nunca chegou a ser, uma vida marcada pela fraqueza e pelo medo, de mãos dadas com a preguiça. Estou plenamente consciente de minha impotência e inconsciente da minha força que parece só se mostrar por fraqueza. Um tédio que se entedia de si mesmo e já nem posso chamar de tédio, e sim, uma vontade de nunca ter sido, o que é impossível de ser. Que agonia é esta que me atravessa o ser?
Vejo-me em sonhos, às vezes, lentamente parando de caminhar em meio a grande estrada da Vida, enquanto passa a humanidade seguindo em frente, todos branco-cinza com aspectos de ninguém, formas mudas que se diferenciam pela velocidade com que andam para o destino mais do mesmo. E vou ficando para trás, calmo e sereno, resignado de minha fraqueza, cansado, como uma fruta prestes a cair da árvore sem saber quando isso se sucederá, sei apenas que me sinto fraco, quando perceber, caí. Cumpri meu tempo...
Mais um dia que se junta a outros que não existem, mais uma ruína que estala algumas pedras que caem no vazio de minha imaginação, enquanto balanço meu cetro de palavras no branco muda desta página, inutilmente.
Cresce em algum lugar dos sentimentos uma coragem e uma força abissal. Pasmo. Temo. A absolvição da força que resiste, a afirmação da própria desistência que vira força ao avesso. Alívio da ideia ilusória de não-ser, a sensação de nada ao mundo dever. A sensação de aristocracia de alma, a individualidade que toma parte no que quer, e toma sua cicuta sem o pesar da imaginação de quem ficar. Se não se pode viver orgulhosamente, que morra com orgulho! Quem somos sem nosso orgulho? quem somos com ele?... grãos de areia da imaginação entre dois nadas incertos.
Mas já passou...
Foi um devaneio apenas, onde, por um instante, eu senti a alegria de se afirmar numa escolha, de deixar de ser um intermédio entre as coisas...
Viver é um ato em si, uma força que sobe e outra que desce, infinitamente: Sim ou Não! O que importa é afirmar-se num desses pontos. Deixar de querer - para minha miséria - é impossível de acontecer. Vivo como fantasma de ninguém, caminhando junto a procissão que segue para o abismo
Existir apenas não é o mesmo que viver...
O sentir-se vivo está em ser criador da própria vida, de viver em afirmar ou negar, sem culpa e ressentimentos para consigo mesmo e com os outros.
A abstração dos sentidos já me soam familiares, o desfragmentar-se, as dores sentidas na imaginação, o sentido de perda, tudo isso eu já convivo. O instante de morte é um instante de pânico, de sentimentos intensos ligados aos nossos apegos, às dores da imaginação. E minha vida toda foi sonhar-me e chorar-me com as coisas que inventava de mim mesmo. A vida é uma mentira mesmo; talvez, antes que tudo se apague, possa ser criada uma outra história num instante sem tempo, não digo uma outra vida, mas uma outra forma de ser na imaginação dos sonhos, como personagens de romances históricos. O tempo na imaginação pode se alargar ou diminuir, talvez nem exista tempo para dizer a verdade. A eternidade de um instante talvez seja isto que estejamos vivendo... Aquele que seremos pode estar morrendo neste momento, a velha que revive num instante toda a sua vida de novo enquanto cai lentamente nos braços da morte. É a infinidade refletida no espelho da consciência que relembra, curvada em espiral recriando-se e rebobinando-se. Quando não se tem mais nada, volta do começo. Mas para quê penso tanto em coisas do tipo? Que inutilidade pensar nelas. Mas tenho que pensar. Pensar para distrair-me...
O que na morte nos faz medo é o morrer só, tememos estar em silêncio com nós mesmos, e reconhecermos que nada somos além de escuridão sem consciência...
Saibamos a sonhar...