Dias de fome-sertão
Há dias que se passa fome,
há fome que se passam dias.
Sementes plantadas na noite, brotam crianças diariamente.
Solo dormente, trincado, mães secas, carregam suores e dores.
Olham o Nordeste, o cabra da peste.
Há noites em que se sonha sol; e amanhece o dia,
todos se mostram bronzeados.
Sertão afora vagueiam preces.
No corpo magérrimo, sem vestes,
se lavam peles de poeira.
Cactos sob o azul celeste;
em seus espinhos se penduram estrelas a noite. Repentes em vozes secas, ecoam por entre ossadas de vacas
que berravam um pedaço de pasto.
Fraquejaram sedentas na história de açudes que morreram.
Anjos dos sertões, de pés descalços,
com suas cítaras deixando som nos sulcos do chão, dos troncos,
da carne que a ferida brotou da caatinga.
Há gente que se passa brisa,
há brisa que se passa gente, porque
há dias que se passa fome
e há fome que se passam dias.